Quando a paróquia morre de morte matada

A hipótese do reconhecimento da personalidade jurídica da paróquia galega será aniquilada em poucos meses polo governo de Madrid. A denominada “Ley de Racionalización y Sostenibilidad de la Administración Local” dissolve as entidades de âmbito territorial inferior ao município e impossibilita a sua constituição futura suprimindo a possibilidade de aplicar o regime de concelho aberto em democracia direta. A Lei deixará sem eficácia o Art.º 40 do Estatuto de 1981 e implicará o fim das nove entidades locais menores existentes na Galiza: Arcos da Condesa, Bembrive, Berã, Camposancos, Chenlo, Morgadães, Paços de Reis, Queimadelos e Vila-Sobroso.

Por Joam Evans Pim | Vigo | 12/08/2012

 

Em outro lugar (http://galiciaconfidencial.com/nova/9363.html) já se apontou o caráter fulcral da paróquia e do seu reconhecimento jurídico no pensamento e programa de ação do galeguismo. O silêncio e mesmo cumplicidade dos que hoje se aplicam esse rótulo ante a negação da paróquia e da democracia direta galega nem chama já a atenção. A Carta Outorgada, dada à Galiza em 1981, atribui-lhe à Comunidade Autónoma a possibilidade de reconhecer a personalidade jurídica das paróquias rurais como entidades locais próprias (Art.º 27.2 e 40.3). No entanto, nunca existiu vontade de levar para frente este reconhecimento. A única e descafeinada proposta de lei para o seu reconhecimento foi chumbada em 1991 com os 61 votos em contra do PSOE e do PP e os mesmos que tinham formulado a proposta esqueceram de vez à paróquia na nova proposta de Carta Outorgada que formularam eles próprios em 2005.
 
Mesmo ante a interessada passividade da classe política galega, a porta ao reconhecimento da paróquia continuava aberta através do Art.º 45 da Lei 7/1985, de 2 de abril, Reguladora das Bases do Regime Local, no que se mencionava expressamente a paróquia como sujeito para o estabelecimento de entidades de âmbito territorial inferior ao município. O texto não apenas confiava na população da paróquia a iniciativa para o seu reconhecimento, mas estabelecia, em conformidade com o Art.º 140 da Constituição, que as entidades de âmbito territorial inferior ao município poderiam reger-se por democracia direta em regime de concelho aberto.
 
Há que lembrar que o anterior Anteprojeto de Lei de Bases de Administração Local, aprovado polo Governo e entregado ao Congresso em maio de 1981 para a sua tramitação, incluía uma disposição adicional na que se pontualizava: “La Parroquia Rural Gallega se regirá por su derecho consuetudinario y por las disposiciones que dicte la Comunidad Autónoma de Galicia”. A disposição foi retirada do texto final, aprovado em 1985, e que agora vem a ser fulminado definitivamente com a liquidação do seu Art.º 45.
 
O “Anteproyecto de Ley de Racionalización y Sostenibilidad de la Administración Local” que o Governo pretende aprovar, altera fundamentalmente a redação do Art.º 45 ao estabelecer que as entidades de âmbito territorial inferior ao município “En todo caso carecerán de personalidad jurídica y dependerán de un Ayuntamiento” e suprimindo a possibilidade de estabelecer-se o regime de concelho aberto. O anteprojeto inclui ainda uma nova disposição adicional pola qual “Se disuelven todas las entidades locales menores existentes en el momento de la entrada en vigor de la presente Ley”, cujo património vizinhal ficará nas mãos dos municípios.
 
O motivo que esgrime o governo para levar para frente esta reforma, na que também se suprimem mancomunidades de municípios e se fortalecem as deputações, não é outra que a crise e a racionalização do gasto. Por lei, as entidades de âmbito territorial inferior ao município apenas têm direito a receber 25% dos impostos municipais arrecadados no seu âmbito territorial (no da entidade, não no do município) o qual, tendo em conta que a imensa maioria das entidades existentes não têm mais de um cento de habitantes, resulta numa quantidade irrisória para a fazenda estatal. Este facto, assim como a supressão do regime de concelho aberto (que não pode ser mais económico e sustentável ao serem concelheiros sem retribuição a totalidade dos vizinhos), aponta para a verdadeira natureza do projeto, bem no espírito das comemorações do bicentenário da Constituição das Cortes de Cádiz que também discutíamos aqui (http://galiciaconfidencial.com/nova/9548.html).
 
O rural é ruim de matar, e o rural galego mais ainda, como bem aponta Félix Rodrigo Mora em “O atraso político do nacionalismo autonomista galego” (http://www.partidodaterra.net/edicoes-da-terra). Mas não podemos confundir a morte morrida que nos vendem com a morte matada que se aplica. Cumpre trazer à tona mais uma vez as palavras de Enrique Costas Sánchez e Vicente Risco no Congresso de Economia Galega de 1925, numa apresentação na que marcavam o desígnio da paróquia galega: “Cada paróquia poderá, e ainda deverá, constituir-se em cooperativa de produção e consumo, governada pola Assembleia ou Conselho de Vizinhos [...], contribuindo os seus rendimentos ao sustento das necessidades da paróquia e à melhora da mesma em todos os aspectos”. Há que insistir: a soberania das paróquias como células da vida política, social e económica, como motores da soberania alimentar e energética, como bastiões da identidade cultural e linguística galega, supõe princípio do fim da grande pantomima da “democracia” representativa espanhola. O caminho está na nossa frente. Cumpre começar a caminhar.