Diz-se que a “invenção” serviu para canalizar um excedente de colheita de uva em Valência no início do século XX. O público alvo foram as elites económicas da capital do Estado que viram neste produto a destempo mais uma forma de luxo e ostensão. A popularização do invento demorou alguns lustros, devendo-se o mérito à progressiva introdução da televisão espanhola durante os anos sessenta.
Por desgraça com certeza, pois deslocou a rica tradição ritual galega. Em boa parte da geografia do País eram frequentes as fogueiras de “lume novo” ou a “queima do facho”. Na aldeia de meu avô, agora desabitada, mantinha-se viva esta prática, consistente em preparar entre os vizinhos um ou vários fachos de palha que se prendiam depois da ceia. Marcial Tenreiro e Luís Gómez relatam a extensão do ritual por boa parte do interior da Galiza e Trás-os-Montes, desde as fogueiras ao pé do adro da igreja, frequentes em Ginço e Monte-Rei, até os bonecos de palha dos Ancares.
O “lume novo” tinha especial importância pois acreditava-se que durante essa noite, como na do Samhain, as ánimas dos devanceiros devalavam polas aldeias e se aqueciam ao seu carão. O lume do facho ou das fogueiras junto às que reunia a vizinhança era levado para as casas e mantido até o mencer, deixando-se também comida para que os finados da casa participassem também da ceia dos vivos. O tição de Nadal, um grande toro de carvalho, guardado com zelo durante todo o ano, é outra tradição de raiz similar, comum a outras terras celtas como Cymru, onde se lhe chamava polo mesmo nome: “Cyff Nadolig”.
Tomando boa nota da espetacular recuperação do Apalpador promovida desde o reintegracionismo, começando em 2006, tal dia como hoje, com um artigo de José Luís Lôpez Gonçález no “Portal Galego da Língua” e contiuada pola Gentalha do Pichel e outros coletivos, criadores de excelentes materiais como “O Conto do Apalpador” de 2009 ou o magnífico documentário “E há de vir o apalpador…” deste ano
(pode-se ver em
http://youtu.be/hZMpYnt7AXk), talvez seja também boa hora para deixarmo-nos de uvas, televisivas “nocheviejas” e outros inventos mesetários.
Este ano, na noite da virada do ano, juntemo-nos vizinhos e parentes ao pé dos fachos e fogueiras de lume novo, joguemos entre as faíscas o desprezo pola Terra, polo nosso, a desmemória e espólio, e reivindiquemos um futuro próprio.