Bell demostrou que as cousas mais importantes (a arte é uma delas) não se podem valorar nos parâmetros do mercado. No entanto, esse é o critério que impera, por exemplo, em cousas tão básicas para nós como a alimentação ou a energia, que deixamos concentrar em mãos de multi-nacionais de distribuição e oligopólios que entreveram poder económico e político.
Mas na Galiza ainda nos resistimos a entregar por completo o mais valioso da vida, que são as cousas de comer. Na altura que o Estado espanhol se encontrava em pleno desenvolvimentismo, prosperaram entre nós as economias mistas ou simbióticas. Frente um modelo industrial e urbano puro, que a Espanha baseara numa peseta desvalorizada e uma mão de obra barata, Galiza desenvolveu também em paralelo pequenas explorações familiares e paroquiais, continuando a nossa melhor tradição histórica. E ainda que esse mundo ficou fora do desenvolvimento oficial e mesmo da cultura oficial, é o mais autêntico de nosso, como bem captou uma agência de publicidade para uma conhecida cadeia galega de supermercados, numa campanha que também visualiza o plus de resistência (e estoicismo) do País frente a actual falência do sistema capitalista.
Com efeito, apesar do informe que a passada semana publicara a consultora PwC (um dos melhores exemplos da porta giratória que há na Espanha) situando idilicamente em 2035 o apogeu da economia espanhola, não é preciso ter dotes proféticas para constatar que o capitalismo se dirige ao colapso, com uma concentração cada vez maior da riqueza em poucas mãos, e umas fontes de energia fóssil finitas e cada vez mais caras, cujas alternativas de exploração industrial não têm ainda a taxa de retorno que as façam rendíveis,
Frente este facto incontrovertível, o pensamento da esquerda clássica continua sem dar uma resposta adequada à realidade e, particularmente, à realidade do nosso país, pois considera a economia industrial e competitiva como a única capaz de produzir riqueza, e esta apenas como material. Por isso considera que o Estado deve ser forte, e garante único de serviços públicos (isso sim, com uma crescente dívida soberana), para o qual é preciso proletarizar toda a população.
Mas na economia real, a que tem futuro, já está a cair o mito da produção e consumo ilimitados, e o sector secundário ou industrial não se pode considerar já a base do sector terciário ou de serviços. Do mesmo jeito, a produtividade hoje não se mede já em horas presenciais de trabalho. Abre-se passo uma nova cultura que reformula de baixo para acima o próprio conceito de trabalho. Não no sentido de "re-distribuição de um bem escasso", mas inclusive de novas políticas efectivas de recursos humanos nas empresas mais avançadas, algo que teria muito a complementar com as nossas economias mistas. Por exemplo, a iniciativa de "trabalhar menos" parte agora de empresas com mentalidade "start up" que querem captar e reter os melhores profissionais. Os seus empregados saem do escritório a horas sensatas e desfrutam das fins de semana. Essa mentalidade valoriza as ideias e a iniciativa e, porém, são inimigas do presentismo. Assim o verificam os informes das consultoras internacionais de maior prestígio como Norman Broadbent, isavia, Mobile4you ou Korn Ferry.
Por outro lado, o Estado já não pode ser quem assume e suporta todos os serviços públicos. Não se trata de fazê-los privados, pois já são privados, ao serem as grandes corporações e capitais as que os controlam, financiam e se lucram. Trata-se de que as comunidades de base (o que entre nós são as paroquias e bairros) tenham competências para se governarem e as pessoas dediquem a isso o seu tempo. Assim fazem países da nossa contorna como a Inglaterra, Gales ou a Suíça, com modelos mais sustentáveis de governo e serviços públicos. A tendência será, portanto, uma descentralização real do poder que está justo na linha oposta ao reforço do Estado, através da eliminação de entidades locais menores e a redução da representatividade, que pretendem os actuais governos autonómico e estatal.
A economia é importante de mais para deixá-la em mãos de economistas. E a política é importante de mais para deixá-la em mãos de políticos profissionais. Um novo conceito de ambas as duas é necessário e urgentemente demandado. O próximo dia 21 terá lugar em Segurde a Assembleia Geral do Partido da Terra, o qual porá em andamento uma estrutura interna de Mancomunidade que revolucionará por completo a política galega e de além. O conceito de partido político centralizado como intermediário da vontade e da responsabilidade das pessoas que deu lugar à chamada democracia representativa dá passo a um conceito novo de partido político aberto, como plataforma para que as comunidades reais, as associações de vizinhos, as comunidades de montes, façam livremente as listagens do PT e coloquem nelas as suas pessoas candidatas com vistas já nas próximas eleições municipais. Estas candidatas apenas deverão adquirir em escritura pública dous compromissos. O primeiro é que o dever de obediência será não ao partido mas a cada assembleia aberta, polo que pouco importa o posto na lista ou mesmo a capacitação técnica. O segundo tem a ver com isto último, pois consiste em não fazer da política uma carreira, pois deve deixar de ser uma profissão. A profissionalização e a capacitação técnica é cousa das profissionais em cada matéria, que devem fornecer da informação necessária a cada assembleia, que é quem toma as decisões. À política e às instituições ira-se a representar a vontade dos outros e não a trabalhar ou manipular para convencer da própria. Aliás, ao não ser a representação institucional um trabalho, não tem de ser remunerado, para além das horas que lhe pudesse restar à própria actividade profissional. A democracia poderá, portanto, ser uma democracia real e autêntica.
Com efeito, o mais valioso que temos é a liberdade. Demasiado valioso para estar a fazer parte do mercado eleitoral. Em Segurde haverá sábado 21 o começo duma revolução silenciosa. Pode ser que, do mesmo jeito do que o concerto de Bell, passe desapercebido para os consumidores passivos de política, e que os bem-pensantes e jornalistas do sistema vejam só hippies ou ácratas a tocar o violino e passem de longo. Mas, com certeza, será o começo de um novo tempo no que as cousas que são realmente valiosas para nós já não nos serão arrebatadas.