Superstiçons e fraudes da “nova política”

Erroneamente a maioria da militáncia situada em parámetros marxistas estava convencida de que a profunda multicrise que arrasta o capitalismo hispano como expressom da crise global sistémica provocaria um incremento e radicalizaçom das luitas populares e do nível de consciência, requisitos imprescindíveis para avançar na criaçom das condiçons que facilitem articular um projeto revolucionário de massas superador do capitalismo.

Por Carlos Morais | Compostela | 01/06/2016

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As duras medidas neoliberais impostas polos governos do PSOE e PP causárom um empobrecimento geralizado da classe trabalhadora e das camadas intermédias, acompanhado polo incremento da sobre-exploraçom e o retrocesso em direitos e liberdades.

Umha parte significativa das massas identificárom o PP como responsável direto do incremento do desemprego, da queda dos salários e do poder adquisitivo das pessoas reformadas, de maior precariedade laboral, do deterioramento dos serviços públicos essenciais, da emigraçom da juventude, do aumento do preço da eletricidade e combustíveis; e banqueiros e casta política tradicional como executores destas medidas de austeridade e cortes que caraterizam a última década.

A crise económica facilitou um questionamento da legitimidade do quadro jurídico-político emanado do postfranquismo polas suas estruturais carências democráticas e intrínseca corrupçom geralizada.

À medida que os pacotes neoliberais impostos sem piedade por Bruxelas e Madrid se sentiam nas condiçons de vida da classe operária, dos setores semiproletários e da pequena burguesia, provocando despedimentos, reduçons salariais e feche de negócios, o malestar foi adotando forma concreta, exprimindo-se na denúncia dos despejos, na oposiçom ao roubo dos bancos a preferentistas, em múltiplos conflitos laborais. Porém, nunca tentárom forjar umha convergência entre as reivindicaçons parciais e as organizaçons políticas revolucionárias, visada para dotar-se dumha estratégia permanente e encadeada de luita para derrubar o governo e abrir um processo constituínte. A hegemonia reformista, a despolitizaçom da imensa maioria dos ativistas e a fraqueza do marxismo revolucionário impossibilitou criar estas condiçons subjetivas.

Inicialmente -no primeiro treito da crise em curso-, o desprestigiado movimento sindical logrou de forma errática, mediante amórficas greves gerais defensivas, encabeçar transitoriamente a luita popular contra as reformas laborais e das pensons executadas por Zapatero [29 de setembro de 2010, 27 de janeiro 2011, 29 de março e 14 de novembro de 2012]. Mas a plena fagocitaçom da burocracia sindical polo aparelho estatal burguês e a estratégia eleitoralista dos partidos da esquerda sistémica, consolidárom a plena absorçom e paulatina desapariçom do movimento operário, diluído, oculto e perdido entre as prebendas dos seus aparelhos e incorporaçom às “marés cidadanistas”.

Consciente da grave crise de legitimidade que minava o regime a oligarquia optou por implementar um conjunto de medidas arriscadas, imprecindíveis para modular a politizaçom dos protestos, evitando assim que adoptasse formas perigosas para a sua hegemonia, umha orientaçom inasimilável pola lógica do parlamentarismo burguês.

Os seus poderosos monopólios de [in]comunicaçom, disfarçados de pluralismo informativo, basicamente as televisons, convertérom-se no principal espaço de “debate” e criaçom de opiniom política, inçado de “analistas” e tertulianos que reproduzem entre banalidade e manipulaçom obscena a mais reacionária ideologia dominante, incorporando nos platôs a “esquerda caviar” para legitimar a virtual  ditadura burguesa.

A “doutrina do choque” bombardeou durante meses que “todos som iguais”, inundou os meios de [des]informaçom da corrupçom que carcome políticos, empresários e banqueiros, filtrando nos ecrás o que antes blindava, e com o intuito de impossibilitar que a radicalizaçom cristalizasse no reforçamento das organizaçons revolucionárias e/ou na vertebraçom de um movimento antisistema, optou por facilitar umha válvula de escape que lograsse reduzir a pressom, orientando-a corretamente.

Estes lamas provenientes daquele pós


Assim aparece o 15M em 2011 como movimento aparentemente espontáneno que permitiu abrir um espaço de participaçom alimentado por milhares de tam bem intencionados como ingénuos que pensavam que era possível -mediante umhas acampadas, manifestaçons festivas, atrativas palavras de ordem e uso maciço das redes sociais-, introduzir melhoras no sistema com um difuso programa regeneracionista tendente a recuperar a democracia “sequestrada por políticos e banqueiros”.

O 15M nom foi mais que um movimento bem domesticado e inofensivo, enquanto indiscutivelmente pacifista, contrário ao questionamento da unidade de Espanha e dominado pola ideologia pequeno-burguesa negadora da luita de classes, da tomada do poder e do caráter classista do Estado.

O 15M foi funcional para catapultar a nova geraçom de políticos socialdemocratas visados para lograr a estabilizaçom política após ter neutralizado e desarmado o movimento operário e as luitas populares.

A susbtituiçom de Juan Carlos I por Felipe VI em junho de 2014 foi umha jogada mestra dos estrategas do sistema pois contribuiu para desativar a indignaçom e legitimar a monarquia bourbónica. Novamente prevaleceu o “mudemos algo para que todo continue na mesma”.

É inegável que o 15M logrou boa parte dos objetivos que perseguia o Ibex 35 ao promover, divulgar e facilitar a sua popularizaçom. Nom só reforçou o nacionalismo espanhol renovando o seu relato patriótico; contribuiu para penetraçom da ideologia burguesa introduzindo a narrativa cidadanista negadora da contradiçom Capital-Trabalho; desviou e alterou a folha de rota anticapitalista por mornos objetivos visados para introduzir reformas constitucionais que “melhorem e aprofundem na democracia”; reforçou a alienaçom das massas fazendo-as acreditar que a soluçom aos problemas radica em afastar políticos e banqueiros corruptos e nom no caráter injusto e explorador do capitalismo.

O 15M sentou as bases para alterar o mapa politico eleitoral espanhol, aggiornando ainda mais o discurso das moderadas e entreguistas forças que se reclamam do campo da esquerda.

Assim a multicrise do capitalismo espanhol facilitou a eclosom do populismo progressista, dumha nova réplica do nacional-populismo, taponando o desenvolvimento da luita de classes e de libertaçom nacional, abduzindo boa parte dos setores sociais imprescindíveis para configurar umha alternativa revolucionária, reativando a contaminaçom postmodernista entre a juventude, enfraquecendo, esterilizando e desmobilizando as luitas populares, atualizando a tam velha como fraudulenta linha promovida por Bernstein de defender reformas graduais e melhoras no sistema empregando a legislaçom e as instituiçons vigorantes, tendente à sua democratizaçom e regeneraçom. Quando a história da luita de classes tem demonstrado nos últimos mais de 150 anos a impossibilidade de implementar esta estratégia pois sempre conduziu à derrota do proletariado.

Do laboratório do 15M emana a imensa fraude da ¨nova¨ política que hoje representa Podemos e os seus imitadores.

1. A ¨spanish revolution¨ transitou de forma fulgurante de denunciar “chamam-lhe democracia e nom é” e “nom nos representam”, de querer “mudá-lo todo” a praticar o mais convencional parlamentarismo burguês, renunciando à rutura democrática e promover um processo constituínte, substituindo-a pola reproduçom da palavra de ordem felipista do “cámbio”, tam exitosa como falaz em 1982 para consolidar os pactos da Transiçom. As formas atrativas e o novo estilo dos seus líderes sem garavatas e camisas a quadros nom ocultam os pactos ocultos que os comprometem com o cerne do postfranquismo: monarquia bourbónica, UE e NATO, ausentes do programa com que concorrem à eleiçons de 26 de junho.
Podemos e imitadores som funcionais instrumentos -tal como foi o PCE e PSOE no período da Transiçom-, para implementar umha nova transiçom incuberta, um infame pacto imprescindível para manter a unidade de mercado chamada Espanha e consolidar a “irreversibilidade” dos retrocessos laborais, amputaçons de direitos e supressom de liberdades.

2. A “nova política” nom só nega a luita de classes promovendo umha alternativa transversal cidadanista, a sua prática real [nom a do relato propagandístico] suplanta a participaçom do que chamam vulgarmente “gente” polas decisons dumha nova elite de políticos profissionais que empregam similares métodos e práticas às da casta política tradicional.
O ritual de consultas internas realizadas entre a sua filiaçom caraterizam-se pola participaçom raquítica e por umha tendência à queda tangencial proporcional ao incremento eleitoral.
A ¨nova¨ política nom quer povo auto-organizado e mobilizado, quer simplesmente meros votantes seguidistas do caudilhismo televisivo e formais participaçons telemáticas onde nom tem cabimento o debate político e ainda menos o confronto ideológico.
Três exemplos recentes som expressom gráfica deste grande engano.
Em setembro de 2015 na consulta telemática de Em Marea para avaliar a confluência com a plataforma Iniciativa Pola Uniom só participárom 422 pessoas.
No processo de eleiçom da nova direçom da sucursal podemita na Galiza em março deste ano participou 15.77% de um censo claramente inchado: 3.225 pessoas premérom o cómodo voto telemático durante três dias.
Na mais recente consulta entre a filiaçom de IU na Galiza para avalar o pacto eleitoral com Podemos votárom 507 pessoas.
Mas quando a consulta adota forma de assembleia ou congresso a participaçom é inferior, tal como se constata na recente Assembleia da Marea Galega [15 de maio] onde só se inscrevérom 715 pessoas. O inocultável confronto interno entre Podemos, Anova e IU nom estimulou muita mais assistência que a das microcastas dos minúsculos partidos, das elites locais, dos apparatchiks e dos carreiristas e oportunistas que competem por situar-se adequadamente para ocupar os staffs .

3. Outro dos fetiches da “nova” política achamo-lo no referente à metodologia e transparência e democracia organizativa versus o que denominam aparelhos de controlo dos partidos tradicionais. Novamente a retórica nom passa de ser umha monumental candonga. As primárias estám normalmente amanhadas, som simples acordos entre as cúpulas que contariamente ao mantra que emitem, reproduzem similar estrutura de controlo e dominaçom do que afirmam pretender superar. Anova, Podemos e IU pactuárom os cabeças de lista das eleiçons de 20 de dezembro do ano passado assegurando a sua representaçom, sem prever o sucesso eleitoral posterior que originou as tensons atuais.
As listas abertas nom garantem maior democracia interna tal como se comprovou na Assembleia de Anova de outubro de 2014 onde 40% da filiaçom aglutinada à volta do setor crítico com o liderato de Beiras ficou excluida da sua direçom pola concentraçom de voto que copou assim a totalidade do órgao, algo inviável com o método de listas fechadas que garante a proporcionalidade.
O confronto cainita que hoje debilita a credibilidade da En Marea está  parcialmente vinculado com o papel molhado que significa para os cargos institucionais quando pisam alcatifa a defesa da rotaçom, revogabilidade e limitaçom de mandatos.

4. Por nom falarmos da soberania da militáncia das organizaçons frente ao poder absoluto da direçom. A fulgurante dissoluçom polo aparelho de Madrid da direçom galega de Podemos e defenestraçom esta primavera da sua cara vísível, certifica a hipercentralizaçom, verticalismo e concentraçom absoluta de poder polo núcleo presidido por Pablo Iglesias e a sua concepçom puramente sucursalista.
As más artes, os obstáculos e as dificuldades denunciadas polas candidaturas alternativas nas consultas internas do espaço podemita e imitadores som umha constante em todos os processos de eleiçom e renovaçom de lideratos.
Podemos é o paradigma da carência de direçom coletiva, do poder “despótico” de um secretário-geral que escolhe a dedo a sua Executiva [Assembleia de Vista Alegre de outubro de 2014], que dissolve com mao de ferro as direçons autonómicas incómodas, que esmaga o pluralismo ao que demagogicamente apela utilizando métodos caraterísticos dos partidos burgueses, completamente alheios à tradiçom política do marxismo que a sua narrativa sempre questiona pola sua “carência de cultura democrática”.

Sucesso conjuntural ou preâmbulo da arremetida fascista?

A “nova política” é todo o contrário de nova. Nom passa de ser umha versom mais atrativa da velha política sistémica. Nom podia ser de outro jeito pois os seus dirigentes e principais quadros procedem dos tradicionais partidos reformistas que pactuarom o postfranquismo, de forças que se adaptárom à lógica imperante e/ou de difusos espaços movimentistas contaminados polas “perspetivas fragmentadas” e o relativismo promovido polo postmodernismo, tam funcional para o Capital.

E os objetivos que perseguem nom passam de pretender atenuar os antagonismos de classe [da gente segundo eles] e melhorar a sociedade existente.

O we can da “nova política” só pretende ocupar espaço na lógica parlamentar burguesa, susbtituir a velha casta política por novos profissionais da institucionalidade. Resulta paradoxal ouvir alguns dos deputados do grupo parlamentar da franquia autótone de Podemos o seu entusiasmo por exercer o “cretinismo parlamentar” que antes combatiam e desprezavam desde as margens do espacos sociais autónomos ou anarcos de que procedem. Contrariamente à disparatada caraterizaçom da extrema direita espanhola, Podemos e os seus imitadores, como expressom 2.0 da nova socialdemocracia nom pretende mais que aplicar remendos sobre roupa velha e inservível, aplicar curas superficiais ocultando a gravidade da doença. De forma fulgurante já resolvérom que fazer perante o dilema reforma ou rutura que tem acompanhado a crise, optando pola restauraçom da ordem, no que é umha descomunal burla a quem acreditou e a umha boa parte dos que ainda acreditam no seu inexistente rol antisistema.

E umha sociedade nova nom se constrói sobre a pax social nem em base a meras mudanças cosméticas. 

De momento tem logrado um sonoro e indiscutível êxito no frágil ámbito eleitoral, incidindo e modulando o discurso da sua competência reformista tradicional, contaminando e quebrando o projeto da esquerda revolucionária socialista e indepedentista galega.

Mas nom passa de um moda, e como todas as modas é um fenómeno passageiro, carente de projeto estratégico e como um balóm, ao igual que foi inchado, também será furado no momento em que deixe de ser funcional para os senhores do “capital que enxurra sangue e lodo por todos os poros, da cabeça aos pés”.

O ilusionismo eleitoral e o discurso triunfalista em que se tem sustentado até o momento tem facilitado e acelerado a atrofia social, reduzido a auto-organizaçom e a luita popular, mas quando os véus caiam provocará umha profunda disilusom e decepçom, posterior frustraçom que abrirá as portas à eclosom do fascismo. Porém, a diferença do vivido a finais da década de setenta pola traiçom do carrilhismo aceitando a reforma franquista que hoje padecemos, as suas consequências serám ainda mas graves polo desencanto que provocará.

A iminente nova crise financeira a escala global e o novo pacote neoliberal que obedientemente imporá o governo emanado do 26 de junho -seguindo os diktames de Berlim e Bruxelas, passarám factura à “nova política”.

Só o rearme político e ideológico do proletariado e do conjunto da classe obreira, o desmascaramento do engano ao que está submetido o povo trabalhador, unido à reorganizaçom e construçom do partido comunista revolucionário, poderá impossibilitar esta evitável tendência histórica.

Pois quando se esgote o marketing eleitoral e as promessas vazias chegará a “hora dos fornos”. Até esse momento devemos resistir entre ventos adversos e incompreensons, realizar um repregamento parcial sem abandonarmos a luita política, centrando esforços em deslindar e confrontar os reformismos para podermos acumular. Nom fica outra!

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Carlos Morais Carlos Morais nasceu em Mugueimes, Moinhos, na Baixa Límia, a 12 de maio de 1966. Licenciado e com estudos de doutoramento em Arte, Geografia e História pola Universidade de Compostela, tem publicado diversos trabalhos e ensaios de história, entre os quais destacamos A luita dos pisos, Ediciós do Castro, 1996; Crónica de Fonseca, Laiovento, 1996, assim como dúzias de artigos no Abrente, A Peneira, A Nosa Terra, Voz Própria, Política Operária, Insurreiçom, Tintimám, e em publicaçons digitais como Diário Liberdade, Galicia Confidencial, Sermos Galiza, Praza Pública, Odiário.info, Resistir.info, La Haine, Rebelion, Kaosenlared, Boltxe ou a Rosa Blindada, da que fai parte do Conselho assesor. Também tem publicado ensaios políticos em diversos livros coletivos: Para umha Galiza independente, Abrente Editora 2000; De Cabul a Bagdad. A guerra infinita, Dinossauro, 2003; 10 anos de imprensa comunista galega, Abrente Editora 2005; A Galiza do século XXI. Ensaios para a Revoluçom Galega, Abrente Editora 2007; Galiza em tinta vermelha, Abrente Editora 2008; Disparos vermelhos, Abrente Editora 2012. Foi secretário-geral de Primeira Linha entre dezembro de 1998 e novembro de 2014. É membro do Comité Executivo da Presidência Coletiva do Movimento Continental Bolivariano (MCB). Fundador de NÓS-Unidade Popular em junho de 2001, formou parte da sua direçom até a dissoluçom em maio de 2015. Na atualidade, fai parte da Direçom Nacional de Agora Galiza e do Comité Central de Primeira Linha.