Como se liquida um banco?

Os 100.000 milhões de euros para resgatar os bancos espanhois da sua insolvência (que não da sua falta de liquidez) vêm precedidos do já bem conhecido (primeiro) pacote de condicionalidades destinado a carregar ainda mais a classe assalariada com o peso de suster o Estado através da fórmula do - por +. Uns 60.000 euros em recortes: nenhum referido a gastos militares (nem aos efetivos, uns 200.000, nem aos programas especiais de armamento: uma hipoteca de 29.000 milhões de euros a 30 anos contratada em 2010 pelo Ministerio de Defensa); ou às exenções fiscais à Igreja cujas atividades não se vão ver afetadas pela suba do IVA nem pela anterior suba do IBI (dos valores de referência cadastrais com os que se calcula), basicamente porque está isenta de pagar estes e outros impostos.

Por José Tubío | Rois | 20/07/2012

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O governo espanhol teve a habilidade de conseguir que formalmente o resgate seja direto à banca. Formalmente. O Estado irlandês quebrou por resgatar o seu Anglo Irish Bank e a efeitos práticos também está quebrado o espanhol, ainda que o papel aguenta tudo.

 
No sistema económico dominado pelo Estados, cujos bancos são mera extensão jurídica, hoje já nem formalmente privados nem desvinculados, sequer por estética, da classe político-burocrática, a fugida cara adiante vem representada por aprofundar no sistema de economia artificial transformando o BCE na Fed ou no Banco de Inglaterra para que compre ilimitadamente dívida espanhola, italiana, etc. Desvalorização do euro, aumento da competitividade no plano internacional sem redução nominal de salários e inflação. E que continue a roda de produção-consumo-impostos outro pouco. Esta opção é, por enquanto, economicamente indesejável para os Estados do norte da eurozona e neste momento significaria romper a moeda-obrigatória-por-lei, quer pelo sul, quer com a saída da Alemanha, cujos bancos (alguns) estão a ser resgatados também, embora indiretamente através do resgate dos espanhois aos que lhes emprestaram grande parte das hipotecas amparadas por imóveis de valor decrescente.
 
Nacionalizar a banca não é nenhuma alternativa verdadeira ao sistema mas vai-se fazer parcialmente. Verdadeiramente trata-se duma simples formalidade, por quanto uma parte já o está e a que não, despacha mais assiduamente com a classe governante do que muitos membros do partido único de forma que a coordenação é plena. Em breve criar-se-á um "banco (estatal) mau" que nacionalize todas as perdas comprando a preço real os ativos bancários que antes foram avaliados por alto na contabilidade das entidades. Um banco mau que solicite a maior parte do resgate e que o devolva... se pode. Previsivelmente não vai poder e então será o ente estatal (o seu proprietário) a devolver com os impostos que de jeito maciço pagam as classes assalariadas.
 
Outra das opções é a de liquidar o/s banco/s insolvente/s, opção que em ausência de hiper intervenção estatal faria sentido, mas em contexto de economia (e vida) planificadas parece que não vai ter lugar. Num negócio que consiste (ou consistia) em receber dinheiro, custodiá-lo, talvez investi-lo para obter benefício e retribuir o depositante, se o Estado garante o negócio deixa de fazer sentido o conceito de "banca pública": já é parte (pagadora) do negócio. Em última instância e como a mídia se encarrega bem de difundir: os depósitos bancários estão garantidos  até 100.000 euros (revival do clássico popular “los pisos nunca bajan”). Não é esta a única prebenda do sistema financeiro (nem a fraude não perseguida das preferentes): os bancos podem criar dinheiro bancário da nada através de empréstimos tendo só o 10% do valor do emprestado (em termos legais, porque realmente as taxas de reserva chegam a ser inferiores ao 1 por mil) simplesmente fazendo uma anotação digital na conta bancária do cliente que recebe o empréstimo. Além disso o seu produto, o dinheiro na forma de moeda nacional, é fórmula de pagamento obrigatória por lei. Confronte-se com o que acontece noutros setores económicos nos que o Estado não garante por lei nem o produto nem os riscos derivados das decisões de clientes ou profissionais: se te dedicas a fazer programas informáticos, não lhe paga até 100.000 euros ao afetado pela falta de funcionalidade das aplicações para o caso de a empresa de informática desaparecer.
 
Esta garantia de depósitos também se pode analisar do ponto de vista do depositante: se tens 100.000 euros e os investes no que for, és responsável pelo teu investimento. Se os depositas num banco, também se faz responsável de que os recuperes o Estado.
 
A este cenário há quem chama de neoliberalismo ou de "Estado neoliberal". Se o que se pretende significar com o termo é a hiperregulação, a hiperpromoção do ciclo consumo-produção-impostos e a hiperproteção dos poderes governantes, parece ajeitada; mas sobeja o prefixo "neo". E o adjetivo inteiro por redundante: os entes estatais, com poder e capacidade de dominação territorialmente delimitados, são cópias aperfeiçoadas dos impérios aos que imitam até nos símbolos (a águia romana nestas partes do planeta). Desde o seu nascimento até hoje a sua essência não variou, só o fizeram a sua capacidade e a forma de se legitimar: social, democrático y de derecho.
 
Bom, a questão: como se liquida um banco se a cada depositante o Estado lhe tem de reintegrar até 100.000 euros?
 
- Na versão do Ursinho Pooh o procedimento deve ser algo assim: amanhã o banco X declara-se em bancarrota. A partir do dia a seguir qualquer depositante pode solicitar do Estado através de qualquer administração ("portelo único") o reintegro do seu depósito. Para isso, será suficiente com mostrar o Dni e um justificante do depósito: por exemplo uma livreta bancária ou o contrato. Se o depositante não tem a livreta atualizada ou não encontra o justificante, os amáveis ex-trabalhadores desempregados do banco facilitar-lhe-ão uma cópia ou, se o preferir, diretamente podem-lhe enviar eles a documentação para o Ministério correspondente. Ainda, aquelas pessoas com certificado digital poderão solicitar o reintegro enviando uma captura de tela (tecla “ImprPant” nos teclados espanhois) das suas contas bancárias online a um correio eletrónico oficial. Recebidas as solicitudes, em poucas horas ou dias o Estado ingressar-lhe-á a quantidade correspondente na nova conta bancária dum outro banco que o depositante indicar.
 
- Na versão para todos os públicos a liquidação bancária não existe propriamente, ou pelo menos, publicamente. O habitual é nacionalizar o banco, subastá-lo por 1 euro e dar-lhe um subsídio de 1.000 milhões (de impostos) ao (banco) comprador, que será o encarregado de o desmontar ou de o trazer à superfície. Com este modelo e outros parecidos os EUA deram cabo de mais de 450 bancos desde 2008, convertendo Lehman Brothers praticamente no único banco formalmente liquidado lá. Esta fórmula parece esgotada para a Espanha, por quanto ainda há ofertas desertas de bancos à venda por 1 euro. Ademais a chamada “restruturação” bancária (fusões promovidas por Real Decreto e feitas em alguns casos com os fundos do Fondo de Garantía de Depósitos) tornou já as entidades resultantes em grandes de mais para poderem aceder a esta liquidação suave. Neste caso o último cartucho do Estado seria a nacionalização como acontece com os 6 maiores bancos americanos (mais um exemplo da artificial e inoperante distinção entre empresa estatal e capitalismo), um bocado hoje grande demais para as contas estatais. Por isso a necessidade do resgate.
 
- Na versão para pessoas adultas o procedimento de liquidação não deve diferir muito do doutra empresa: suspensão de pagamentos aos trabalhadores e a seguir ou simultaneamente declaração da bancarrota. Concurso de credores estabelecendo as relações de dívidas, listas de credores e devedores e ordem de preferência na cobrança. Liquidados os bens e pagadas as dívidas com as quitas que correspondam aos credores, depositantes incluídos, a parte que falte por lhes devolver (se calhar toda), poder-se-á reclamar do Fundo de Garantia de Depósitos estatal, hoje já quase vazio. Não parece que o procedimento de reclamação ao Estado ou o concurso de credores se resolvam em 15 dias. Talvez a cousa possa ser, para o primeiro caso, algo parecida ao pagamento num processo de expropriação e, para o segundo, algo como Forum Filatélico ou Afinsa que, apesar de não serem bancos (precisamente: eram de menor dimensão e complexidade) tinham e têm extensas relações de créditos ainda por ordenar neste momento, e já choveu. Por isso nesta versão a palavra clave é “pânico”. Pânico, retirada de fundos e reação em cadeia após a observação da forma concreta que adota a tal garantia de depósitos.
 
Por último, atendendo ao peterpanismo maquiavélico a que o Reino acostumou os seus súbditos, ainda pode haver mais uma alternativa, a espanhola, para responder à pergunta de como se liquida um banco: com uns Jogos Olímpicos.

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José Tubío Rois (1979). Estudei progamação de aplicações informáticas e, como bolseiro da fundação Juana de Vega, engenharia técnica florestal e engenharia de montes. Depois licenciei-me em direito. Trabalhei, entre outras cousas, na exploração agrária familiar, na defesa contra incêndios, fui chefe de formação do centro de formação e experimentação agrária de Becerreá e, na atualidade, trabalho no ministério de administrações públicas. Sou sócio da AGAL e da AC Pró-AGLP.