Euro 2012: Galegos de condiçom ou macacos de repetiçom?

Assistindo ao jogo de ontem entre Portugal e Espanha, nas meias-finais do Euro 2012, foi curioso dar umha vista de olhos aos apelidos ou sobrenomes dos jogadores de ambas equipas.

Por Maurício Castro | | 28/06/2012

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Se bem me lembro, Pereira, Veloso, Costa, Viana, Oliveira, Varela... jogárom contra Casillas, Iniesta, Busquets, Arbeloa, Negredo, Fábregas...
Os primeiros, apelidos (sobrenomes) clara e inequivocamente galegos, ou galego-portugueses se preferirmos. Os segundos, castelhanos, cataláns, bascos... nomes de família tam respeitáveis como afastados dos nossos.

É lamentável o espetáculo que umha parte significativa do nosso povo, do povo galego, está a dar polas ruas das nossas cidades, vilas e aldeias, coreando "Yo soy espanhol", pintando-se com o 'rojo y gualda' do fascismo e identificando-se com umha nacionalidade que, por princípio, exclui o nosso ser nacional. É lamentável e fai pensar no poderoso que pode chegar a ser o aparelho de poder ideológico de um Estado e o necessário que para a Galiza seria poder construir um que fosse alternativo a toda essa ideologia opressiva que nos nega, esse Estado que na atualidade padecemos.

A Galiza é radicalmente negada inclusive no plano simbólico. O atual escudo constitucional espanhol, que inclui as barras catalás e aragonesas, as cadeias navarras, os castelos castelhanos e os leons leoneses... exclui qualquer referência ao mais antigo dos reinos peninsulares: o da Galiza. A nossa história foi completamente apagada dos seus livros de história, os livros que os galegos e galegas temos que estudar até hoje. Também no plano musical, até hoje tem sido o sofrido povo andaluz que viu como utilizavam, desnaturalizando-a, a sua música popular para construir esse código nacionalizador chamado "cançom espanhola". No caso da Galiza, o desprezo pesa inclusive mais que a manipulaçom.

Desprezam-nos tam claramente que convertem o nosso nome nacional, 'galego', em apelativo insultante quando querem indicar que alguns ilustres renegados, como o atual presidente do governo espanhol, apesar dos seus esforços, mostram algum traço de caráter identificável, no código espanhol, como "gallego", o que é pouco tolerável para eles.

O mesmo poderíamos dizer até da nossa forma de falar a língua deles. Os atores e atrizes galegas devem seguir estritas pautas de dicçom para banir qualquer rasto da fonética, da curva tonal, do vocalismo identificador das falas galegas, se quigerem ter algum sucesso em Madrid e no mercado espanhol. É isso ou ficarem reduzidos a personagens marcados com o sinal de "galegos", antes para mal do que para bem.

Conseguírom há séculos cooptar a classe dirigente galega, daí a força atual da direita cavernícola espanhola entre a burguesia galega. Descabeçárom as nossas possibilidades de desenvolvimento endógeno e vendêrom-nos a incorporaçom forçada do nosso país ao seu projeto nacional, num processo de espólio nacional inacabado. Ainda hoje, quando alguns ousamos discutir a nossa suposta nacionalidade espanhola, respondem-nos que som eles que nos dam de comer e que, sem Espanha, morreríamos de fame. Que galego ou galega consciente nom tem ouvido esse "argumento" por parte dos defensores do statu quo atual dependente do nosso país?

Se bem a extorsom secular só tem vindo a incrementar-se nas últimas décadas, o forte aparelho de propaganda representado nestes dias polo culto a "La Roja" (nome de invençom recente, como invençom recente é a própria Espanha) tem demonstrado nestes anos umha grande efetividade na incorporaçom do resistente povo galego à normalidade plana do sistema mesetário. Conseguírom dar continuidade ao nom menos efetivo trabalho realizado polo franquismo.


É verdade que, ainda hoje, o sentimento nacional espanhol nom se vive nas ruas galegas com a intensidade que se aprecia em qualquer cidade ou 'pueblo' da Espanha profunda. É verdade que subsiste um contraditório sentimento nacional galego e até um minoritário independentismo. Porém, as distáncias reduzem-se ao ritmo que a nossa língua é liquidada, a memória histórica esquecida e a integraçom do nosso nacionalismo no seu regime jurídico-político um facto palpável.
Em condiçons normais, a Galiza olharia mais para o sul e teria relaçons de irmandade plena com Portugal. Torceria por Varela, Veloso e Pereira, mais que por Busquets, Casillas e Iniesta. Nom andaria tanto galego exaltado a insultar os negros da equipa contrária e a presumir de umha seleçom que, por nom ter, nom tem um só galego nas suas fileiras.


De facto, Portugal sempre foi, e continua a ser, um bom espelho em que observarmos o nosso próprio estado de descomposiçom ou regeneraçom coletiva como povo. Os preconceitos contra Portugal, alter ego da Galiza histórica e autêntica, som só umha manifestaçom do bem estudado e conhecido auto-ódio que se manifesta em povos colonizados como o galego.
 

De resto, e voltando para o Euro 2012, em condiçons de normalidade hoje inexistentes, a Galiza teria as suas próprias seleçons. Teria os seus próprios Varelas, Velosos e Pereiras, e nom se importaria com a cor da pele de nengum deles. Nem sequer com a forma do apelido.

Teríamos um Estado próprio, democrático, socialista, republicano; e seríamos -acredito que ainda seremos- galegas e galegos com legítimo orgulho da própria condiçom, e nom como os que nestes dias andam por aí fora pintados do insultante 'rojigualda', que nom passam de espanhóis por imitaçom ou macacos de repetiçom.
 

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Mauricio Castro Maurício Castro nasceu en Ferrol en 1970. Licenciado em Filologia Galego-Portuguesa pola Universidade de Compostela, dedica-se profissionalmente à docência de Português. É autor de diferentes ensaios, sobretodo de temática lingüística e sociolingüística, como a História da Galiza em Banda Desenhada (1995), Manual de Iniciaçom à Língua Galega (1998), Galiza e a diversidade lingüística no mundo (2001), o Manual Galego de Língua e Estilo (2007) ou Galiza vencerá! (2009). Primeiro presidente da Fundaçom Artábria.