Do mesmo jeito que o submetimento do nacionalismo autonomista ao aparato estatal entravou reivindicações históricas como o reconhecimento da personalidade jurídica da paróquia ou a defesa da unidade linguística do espaço lusófono, boa parte das iniciativas para além do autonomismo (meios de comunicação, escolas comunitárias, centros sociais, clubes desportivos, cooperativas integrais, …), que em muitos casos são exemplos do mais inovador que se tem feito no País, continuam reféns do véu da violência e da criminalização com o qual o Estado as quer marginalizar.
É claro que o Estado, e os partidos que representam os seus interesses, incluindo o amplo leque de forças autonomistas e espanholistas que aspiram a tomar conta do nosso “governo regional”, tem pavor ao que representam estas iniciativas e que colocarão todos os entraves imagináveis, legais ou alegais, discrecionais ou de ofício, para cortar o seu avanço. Mas é um erro acreditar que a vitimização ante estes ataques ou a apologia da resistência violenta ajudam. Como também não ajuda a pessoas que talvez precisem aguardar anos até serem julgadas por ações que negam ter realizado o facto de que algumas organizações, que dizem defendê-las, as heroifiquem polas acusações e glorifiquem os delitos que se lhes imputam ou novas ações violentas reivindicadas em protesto.
Tomando nota de outros países da nossa contorna, referentes para a emulação no passado, está na hora de mudar de paradigma ante a situação de queda livre do aparato estatal, tal e como o conhecemos. O novo contexto requer da nossa capacidade criativa e construtiva para desenhar-mos e implementar-mos alternativas à margem do Estado, projetos que serão sempre frágeis no início e suscetíveis de cair sob a pressão das administrações, quando estas os percebam como ameaças.
É claro que, mesmo sem violência, o Estado há de aplicar, interpretar ou inventar as leis que sejam necessárias para entravar os esforços dirigidos para a sua substituição (leia-se destruição). E, como já tem acontecido em numerosas mobilizações, simulará e auto-provocará a agressão quando esta não exista: lembre-se que o elemento definitório do Estado não é outro que o exercício do monopólio da violência. A desobediência civil, não violenta e generalizada, precisa antecipar-se, preparar-se, planificar estrategicamente e, muito especialmente, não cair nas armadilhas que invadem o caminho. Nesse trabalho de construir-mos o comum, a violência e a sua apologia real ou retórica precisa ser enterrada de vez, sem escusas nem exceções. De não o fazer, estaremos erguendo um palheiro sobre a lama.