Okupar o Untamiento

A proposta de Ordenação de Paróquias que o Partido da Terra assumiu como própria durante a sua assembleia geral de 21 de dezembro estabelece uma nova estratégia política, coerente com o modelo de “mancomunidade” do PT e imaginada para o âmbito municipal. Embora seja nas comunidades locais onde de forma mais clara se evidencia o caldo de cultivo para a democracia direta assemblear, o modelo proposto polo PT mesmo poderia ser extensível a âmbitos superiores (no nosso caso, as comarcas e a comunidade nacional) através dos mecanismos do confederalismo democrático, assumindo sempre a soberania comunitária.

Por Joam Evans Pim | Arteixo | 28/12/2013

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A estratégia oferece uma via legal para “okupar” as câmaras municipais do País, desalojando delas as máfias de políticos profissionais. Mas não para tomar o “poder” e gerir o aparato administrativo local do Estado espanhol, senão para devolvê-lo às comunidades, à vizinhança, através de novas estruturas municipais de autogestão paroquial que, no entanto, entroncam com a milenária tradição assemblear democrática galega. Em síntese, transformar o “untamiento” em Câmara Municipal Ocupada Autogerida (CMOA). Ou, como nos “caracois” zapatistas, aplicar a máxima “o povo manda, a câmara obedece”, sem aguardar pola permissão de ninguém.
 
O texto da Ordenação é apenas uma guia, pois cada realidade municipal é diferente. Partindo da tradição consuetudinária galega do “concelho aberto”, e incorporando elementos legislativos de textos relativamente avançados como a “Norma Foral de Concelhos do Território Histórico de Araba” (em comparação com a proposta de “Lei de Paróquias da Galiza” discutida também na primeira metade dos 90), a proposta permite criar estruturas concretas de autogoverno paroquial, mesmo quando o parlamentinho continua a despreçar o reconhecimento da sua personalidade jurídica a nível autonómico.
 
Na ordenança do PT todas as vizinhas de um município passam a ter a condição de “concelhais comuneiras”, derivada da sua participação nos “Concelhos Paroquiais” ou “Concelhos Comunitários” (a ordenação recupera para este nível o termo “concelho”, do que se apropriaram os “untamientos”, tal e como se explica no preâmbulo). Para além duma amplíssima enumeração de atribuições próprias, a Ordenação recupera cargos comunitários tradicionais como os “Juízes”, que presidem a Junta Paroquial, as “vigairas”, designadas por cada aldeia, ou os “homens e mulheres de acordo”, que sirvem como fiéis de feitos e como mediadores nas desputas vizinhais.
 
A fazenda paroquial passa a participar das transferências económicas que o município recebe do Estado e da comunidade autónoma, assim como a determinar os impostos municipais obrigatórios (o Imposto sobre Bens Imóveis, o Imposto sobre Atividades Económicas e o Imposto sobre Veículos de Tração Mecánica) no seu território. No caso dos municípios de menos de 5.000 habitantes, aplica-se também o último capítulo da Ordenação, regulador das prestações pessoais e de transporte, recuperando a denominação tradicional de “rogas” ou “ajudas”.
 
No Partido da Terra admite-se que, alcançado o apoio popular necessário para levar a estratégia à praxe, o processo político e social seria complexo. Mesmo que muitas das nossas comunidades mantêm vivas as práticas de autogoverno (por exemplo, nas comunidades de montes), a sua extensão para uma multitude de questões sob a esfera de decisão municipal (impostos, planificação urbanística, gestão de resíduos, etc.) requererá um processo de co-aprendizagem coletiva onde os erros também geram experiência e a persistência e resiliência frente os embates do Estado e da velha política profissional são fundamentais. A liberdade de decidir, incluindo a de decidir renunciar ao poder de decidir (que também se contempla na ordenança), vai sempre de mão dada com a responsabilidade.
 
Haverá quem diga (possivelmente com razão) que mais duma paróquia, na primeira ocassião que tivesse para decidir sobre o destino da sua participação das transferências do Estado e da Junta e com a arrecadação do segmento municipal do IBI e do imposto de veículos, faria festa uma semana inteira com a Paris e a Panorama, negligenciando a reparação de estradas, limpeza, prevenção de incêndios e alumeado. Para esses casos sempre fica o recurso às prestações pessoais (descritas no último apartado da ordenança) e aprender a lição para o seguinte exercício fiscal.
 
A crítica construtiva e a apoderação da ordenança por outras é encorajada, sendo conscientes de ser esta apenas uma primeira tentativa de concretizar, no século XXI, o velho anelo comum às tradições galeguista e libertária, de soberania e autogestão comunitária.

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