Por Ramón Varela | Ferrol | 09/06/2016
Quando um vai á feira ou a um supermercado, um compra o produto que quer, dentro das suas possibilidades, e a pessoa é responsável da sua compra e a empresa vendedora da qualidade do produto, mas quem compra não é responsável do devir da empresa vendedora. No caso do mercado financeiro, o cliente da entidade é o responsável da qualidade do produto que ele entrega e da gestão da própria entidade.
Muitas vezes lhe tenho perguntado a diretores e pessoal qualificado das entidades bancárias qual era o risco das contas correntes e praticamente ninguém me respondia, do qual eu sacava a conclusão que estavam isentas de risco, porque de todas as demais o citado pessoal si estava informado e respondia, e também porque me parecia raro que um menino de dous anos ou uma pessoa analfabeta se têm uma conta corrente numa entidade estivesse obrigado a contribuir a remediar o entorto causado pólos gestores. Mas o governo do PP decidiu em novembro do ano 2015 clarificar estes extremos, e estatuiu com nitidez que os depósitos á vista si que estão sujeitos ao risco, ainda que no nível 1 dum total de 6, que pode derivar-se da quebra duma entidade bancária, e, por tanto, o menino de dous anos e a pessoa analfabeta mencionados têm que responder da má gestão dos dirigentes das entidades apesar de não controlar para nada o processo de gestão, nem poder influir, nem, quiçá, conhecer os dirigentes. Aliás, estas pessoas não têm alternativa, porque muitas das entidades corporativas exigem a domiciliação dos recibos, e, por outra parte, se tens o dinheiro na casa, Fazenda pode sancionar-te por branqueamento de dinheiro, se não demonstras a sua origem, ou os cacos apropriar-se dele e, ademais, dar-te uma tunda. Por outra parte, um dirigente da entidade que foi o responsável da tomada de decisões, se não se demonstra que não cometeu uma gestão desleal punível e não tem depositado dinheiro ou o retirou no momento oportuno, não tem absolutamente nenhuma responsabilidade.
Com a normativa do funcionamento dos mercados blindasse o sistema extrativo oligárquico, estabelecendo responsabilidade sobre as pessoas, independentemente de qualquer decisão livre e consciente destas. Quando alguém tem algum dinheiro, por pouco que seja, tem que tê-lo depositado numa entidade bancária, e, desde o momento que entra num banco com este propósito, já se converte num ator exposto aos vaivens do mercado, e, por tanto, da gestão da oligarquia financeira. Isto acontece tanto se deseja assumir riscos como se não. Se um tem dinheiro numa conta corrente, também chamada depósito a á vista, ou num depósito a prazo, se a entidade bancária vai a pique terá que fazer-se responsável da sua gestão, ainda que não tenha nem poda ter a mais mínima responsabilidade moral pessoal. O sistema oligárquico faz, por tanto, responsável a pessoas leigas em matéria financeiras das ações executadas por outros.
Em ética costuma-se definir a ação responsável como aquela que é deliberada, livre e consciente, e é um princípio de direito que ninguém pode ser castigado por uma ação que não seja culposa, «nulla poena sine culpa», mas já podemos observar que este princípio é invalidado quando interessa ao sistema oligárquico imperante. Sucede algo parecido ao que acontece com o sistema extrativo eclesial. Na Bíblia diz em vários textos que uns não devem pagar pelas culpas dos outros, que os filhos não devem pagar pelas culpas dos pais, mas isso não foi óbice para que Agostinho de Hipona lograsse impor na Igreja cristã o dogma do pecado original, no que se rompe toda relação entre pena e culpa, castigando a humanidade das gerações vindoiras por um suposto delito de comer uma maçã contravindo um absurdo preceito divino de não fazê-lo. Em realidade, o que si conseguiu Agostinho, e, conseqüentemente a Igreja, foi reforçar extraordinariamente o sistema extrativo eclesial porque, como conseqüência do pecado original, não existe liberdade humana para fazer o bem senão somente para pecar. Isto faz depender ao home da vontade libérrima de Deus, e, por tanto, da necessidade de suplicar o auxílio divino para salvar-se, o qual implica a dependência da Igreja e dos seus ministros. Tanto o sistema oligárquico como a Igreja inculcam que somos vítimas de forças independentemente da nossa vontade e que a única solução que nos queda é aceitar a submissão a Deus e ás forças do mercado.
Num artigo recente, titulado «As oligarquia contra-atacam» dizia que uma sociedade consumista não pode ir bem, se se lhe saca á gente a capacidade de consumir. Em Espanha, com motivo da crise, levou-se a cabo o maior processo de pauperização que recordam as gerações e, ingenuamente, considerava-se que a deflação dos salários dos trabalhadores, cujo único fim era conseguir as empresas fossem melhor e os oligarcas ganhassem mais, seria compensado pelo incremento das exportação de bens e serviços que possibilitava essa míngua dos salários dos obreiros, mas isto não teve percorrido praticamente nenhum, porque estava baseado num princípio falso que era que os demais países se manteriam de braços cruzados e dispostos a converter-se em dóceis compradores dos produtos espanhóis ainda que isso descompensasse a sua balança comercial. Agora encontramo-nos com salários de miséria, -algumas pessoas já declaram que ter um trabalho não permitirá deixar de ser pobre-, e com uma economia sumida totalmente numa crise que não é capaz de superar. Faz uns anos considerava-se desafortunada a situação de mileurista, mas hoje já se considera afortunada, e inclusivo parece que já se aceita como o menos mau e suportável a situação de quinhenteurista, e a justificação é a de sempre: «mais vale isso que nada». O resultado de todo isto é que a gente não tem a capacidade de consumir para mover a economia e as exportações com o exterior estão estancadas.
O fundo de reserva da Segurança Social, também chamada ucha das pensões está a piques de esgotar-se e não estão garantidas se descendem os cotizantes ou não sobem as cotizações á Segurança Social por parte dos empresários e trabalhadores, mas as retribuições destes caíram em picado e conseqüentemente também o seu contributo á Segurança Social, e os governos de turno querem baixar o seu contributo á Segurança Social. Outra alternativa seria que se financiem a través dos Orçamentos Gerais do Estado, mas, para isto há que subir os impostos, medida que não querem pôr em marcha os partidos pro-oligárquicos, senão que inclusive advogam por baixá-los apesar de ser o Estado europeu que menos ingressa por tributos, e, por tanto, onde o estado do bem-estar é dos mais precário. Todo indica que os partidos pro-oligárquicos estão á espera de que a ucha se esgote e ante o déficit persistente que tem atualmente a segurança social, levantar os braços e afirmar aos quatro ventos que as pensões não são sustentáveis, e que há que reduzi-las. De tal modo que os pensionistas, que atuaram de colchão para ajudar ás gerações da crise, criada pelo setor oligárquico e suportada pelos trabalhadores e classes mádias, podem ser despossuídos por este do colchão que lhes queda para alívio das suas famílias. Aliás, apesar de subir o governo os tributos extraordinariamente na legislatura iniciada em 2012, a dívida pública sobre-passou o 100 por cento do PIB, ou seja, da riqueza anual produzida pelo país, e sem visos de que a escalada se freie, o qual implica que os juros se incrementaram extraordinariamente. Neste panorama deprimido, o governo do PP ousa proclamar um dia si e outro também que a crise está superada, quando o único que podia afirmar, em todo caso, seria que os setores oligárquicos e os seus corifeus superaram a crise, mas não os restantes trinta e três milhões de habitantes.
Na sociedade atual dá-se o paradoxo de que é mais rica que nunca, ao tempo que a gente vive pior que desde faz décadas. Na década dos oitenta, a gente tinha uma certa estabilidade laboral e podia planificar o seu futuro, ganhava para viver decentemente e podia formar uma família, mas agora não pode fazer praticamente nada mais que esperar, se não morre antes, a que a situação melhore. Que alguém me explique se é possível este paradoxo mais que numa sociedade tremendamente injusta e desigualitária. O dinheiro não se evaporou, senão que passou dumas mãos a outras por um processo de drenagem brutal, que sumiu na miséria aos mais indefensos e fez mais rico á elite oligárquica e setores conexos. Ao mesmo tempo, acrescentaram-se as remessas aos paraísos fiscais, para manter a resguardo o fruto do espólio massivo.
Vivemos na etapa de paroxismo da oligarquia, que não repara em métodos para lograr o seu objetivo de imposição dum sistema de escravidão social, onde as pessoas somente jogam o rol de títeres dos desígnios «divinos» dos setores oligárquicos mundiais, facilitado com a chamada globalização, que rompeu os mercados nacionais e instaurou o mercado mundial, controlado por eles. Os novos tratados que se pretendem criar: TTIP, TISA,... só representam um passo mais neste processo de divinização da oligarquia e de pauperização da sociedade, por meio do seu controle e espoliação. Para conseguir este objetivo, prevalem-se do controle dos meios de produção e consumo, com os que drenam os recursos; do controle dos mídia, com o que bendizem a sua divinização, lavam o cérebro dos cidadãos, eliminam os adversários políticos concorrentes ao tempo que exalçam os favoráveis, e logram o seu assentimento, e com governos cúmplices que legislam para que isso se faça possível e geram os seus interesses ad majorem pecuniae gloriam, para maior glória do capital. A sociedade romana, numa fase de empobrecimento com Augusto, recorreu, ao «panem et circenses», ou seja, dar pão e circo, ou seja, alimento, e entretenimento assistenciais a uma população depauperada, e parece que o melhor cenário que fica ás gerações futuras é este retorno a etapas periclitadas, ao que incluso se negam, de momento, as oligarquias, mas que já foi apresentado nalguns países sob a fórmula de «renda vital».
Quando aqui falamos de oligarquias referimo-nos aos ostentadores de riqueza enquanto setor organizado que impõem o seu domínio sobre a sociedade, deslocam empresas, praticam a engenharia fiscal, não pagam ao fisco, exploram e escravizam os trabalhadores, aproveitam-se das portas giratórias, etc., e não ao meritório labor dos que criam riqueza, pagam impostos, pagam salários que lhe permitam viver dignamente aos trabalhadores, etc.