Por Ramón Varela | Ferrol | 06/12/2021
Neste caso é um contexto misógino, no que a mulher está anulada economicamente e minorada socialmente, não pode ter bens próprios nem decidir nada na casa sem consentimento do pai, esposo ou filhos; misossexual, pois o sexo somente não é pecado em aras da procriação; sumamente repressivo no que a inquisição papal, centralizada e eficiente no castigo, em nome dum Deus arbitrário, sanguinário e intransigente, atuava quiçá como a maior máquina repressora da história, com a capacidade de excomungar as pessoas, com a consequência da sua morte social, e decretar a sua aniquilação física, se não se aceitava a sua ideologia, incluída a sua moral absolutista e incoerente. Estamo-nos a referir às beguinas, associação de mulheres dedicada ao cuidado dos pobres e dos doentes, incluídos os leprosos. A primeira beguinaria criou-se em Lieja em 1180, e de ai se estenderam-se por Alemanha, Centro Europa, sul de França e também na Catalunha.
As beguinas viviam em castidade, mas não professavam anti-humanos votos permanentes; mendigavam esmolas polas cidades, (o seu nome parece provir da palavra alemã beggen, que significa pedir) e estavam ligadas ao cristianismo, no que se dedicavam a administrar os sacramentos, e muitas vezes estavam sob a proteção dos presbíteros da paróquia, que com certa frequência se aproveitavam delas, razão pola qual no concílio de Magúncia de 1261 se lhes proibiu entrar na sua casa; criticavam a igreja como instituição por não reconhecer os direitos das mulheres e pola sua corrupção. Esta associação nunca foi aprovada pola igreja, e como se resistiam a obedecer aos ditados dos presbíteros das paróquias, um sínodo de Magdeburgo de 1261, decretou a excomunhão contra elas se não ao faziam. Os begardos e beguinas caluniavam “sobre todo o clero secular, do qual recusam a absolvição e os outros sacramentos, querendo demonstrar desta maneira que consideravam manchados os sacramentos administrado por estas mãos”. O grupo principal era o das beguinas, enquanto que os begardos eram uma espécie de amigos, consultores e inspiradores externos ao grupo e os seus imitadores. A Igreja considerava-as como impudicas e condenou-as por primeira vez no concílio de Beziers de 1299.
Antecipando a reforma luterana, eram uma espécie de livre pensadoras que mostravam uma enorme independência de espírito e um elevado anseio de liberdade frente às imposições de outros seres humanos, pois, segundo elas, os que alcançaram o grau mencionado de perfeição e de liberdade do espírito não estão submetidos à obediência humana e não estão obrigados a obedecer os preceitos da Igreja, porque, diziam, que «lá onde está o Espírito do Senhor, lá está a liberdade”. Esta independência e liberdades frente a imposições é algo que a igreja nunca está disposta a tolerar, e de aí que as condenasse no concílio de Viena de 1312, no que se diz: “Dado que de algumas mulheres chamadas vulgarmente beguinas (as quais como não prometam obediência a ninguém, nem renunciem às suas peculiaridade, nem professem nenhuma regra aprovada, não são em modo algum duma religião, ainda que levem o hábito que se chama das beguinas, e adiram a alguns religiosos, aos que é atraído o afeto delas), se nos tem insinuado por relatório fidedigno, que algumas destas, como levadas pola insânia da mente, disputam e predicam da suma Trindade e da divina essência, e introduzem opiniões contrárias à fé católica acerca dos artigos de fé e dos sacramentos eclesiásticos, e, enganando a muitos simples sobre estes, induzem-nos a erros diversos, e fazem e cometem muitas outras cousas das que surgem perigo nas almas com aparência de santidade”, e por isso “determinamos que, com aprovação do sagrado concílio, o seu status seja proibido a perpetuidade e abolido totalmente da igreja de Deus, e as mesmas e outras mulheres quaisquer, queremos que ipso facto incorram na pena de excomunhão”.
No concílio de Tarragona de 1317 prescreve-se como devem vestir e consagra-se o dever da ignorância proibindo-lhe que se reúnam para ler, dizer ou repetir algo e são excomungados quem as ouçam. Ademais têm proibido ler livros de teologia, salvo em latim, ou que só contenham orações.