O episódio de desarranjo atual arranca da reunião do Comité Federal do 30/12/2015 que decidiu, de acordo com o reiterado insistentemente na campanha eleitoral, negar-lhe o apoio á investidura de Mariano Rajoy pretextando que era um partido corrupto que não merecia governar o Estado espanhol, além de considerá-lo o seu principal adversário político. Vetou também qualquer pacto com Podemos se não renunciava a defender o referendo de autodeterminação para Catalunya, ao tempo que pedia ás demais forças que prescindissem das linhas vermelhas. Isto indica que a situação política ficava automaticamente bloqueada, ante a incapacidade dos populares para pactuar com os nacionalistas. Pedro Sánchez moveu-se nessas coordenadas e concertou um pacto com C’s, outro partido que renegava também de Rajoy, e, a seguir, pretendeu, obscenamente, que Podemos o apoiasse gratuitamente e sem ter negociado nada previamente com este partido, que, pelo tanto, ficava condenado ao fracasso, porque o partido de Albert Rivera não tem nenhum partido nacionalista periférico que queira negociar com ele por ser o partido das maiores linhas vermelhas contra pactos com eles, por considerar que o único nacionalismo com direito á vida é o espanhol.
Na campanha eleitoral para o 25/06/2016, Pedro Sánchez, com a cumplicidade de todo o partido, volve a insistir por ativa e por passiva que nunca faria presidente do governo de Espanha a Mariano Rajoy nem a outro candidato do PP. Coerente com isso, o PSOE votou em contra da investidura de Mariano Rajoy o 2/09/2016. Em vista de que a situação continuava bloqueada e abocava a umas terceiras eleições, parece que Pedro Sánchez concebeu a idéia de pactuar com Podemos e converter-se em presidente com a abstenção dos nacionalistas bascos e catalães, ousadia que os líderes do partido, com o servidor dos oligarcas, Felipe González, á frente, não estãvam dispostos a tolerar, e, aproveitando os maus resultados eleitorais no País Basco e discretos na Galiza, os barões, liderados pela andaluza Susana Diaz, decidem eliminá-lo duma vez, e dar um giro de 180 graus na direção do partido apoiando possibilitando a investidura de Rajoy incondicionalmente, e, por conseguinte, o pacto com C’s, conformando uma «aliança tripartite» vergonhosa de facto, sem importar para nada a vontade dos militantes nem as promessas que se lhe fizeram ao eleitorado. A primeira lição que se extrai de todo isto é que a subordinação aos poderes econômicos e o mantimento das portas giratórias tem a prioridade principal sobre todo o demais, e a segunda é o lncremento do descrédito da política entre a população, ao ver os seus representantes ajoelhados ante os poderes fáticos e que as mensagens eleitorais não são mais que reclamos para a captação de votos, sem vontade real de efetivá-los. O problema é muito mais grave se atendemos ao facto que se trata dum partido sumido numa profunda corrupção e que merecia uns anos de descanso para recuperar-se e poder sanear a vida pública espanhola. Porém, em vez de ter este fator em contra, os socialistas dedicaram-se a infra-valorar a mesma corrupção, manifestando que o caso de Barcenas não pode ser obstáculo para bloquear a situação política espanhola, e teriam razão se fosse a única maneira de evitá-lo, mas Podemos e inclusive os nacionalistas catalães deixaram-nos ao descoberto ao manifestar que havia claramente uma via alternativa, que eles estavam dispostos a favorecer. A terceira lição que extraímos é que a preservação dos direitos das oligarquias tem prioridade sobre a construção dum país mais saneado moralmente. Nisto influi também que o PSOE é um partido que não está isento tampouco de corrupção.
Se temos em conta que chove sobre molhado e que a traição ás aspirações dos militantes e votantes já vem de velho, o porvir do partido apresenta-se cheio de nubarrões. Hoje é bem perceptível o desânimo e a mais absoluta desorientação nas ringleiras socialistas, que os dirigentes pretendem mudar com a propaganda. Há alguns cidadãos que deploram a situação atual do PSOE por considerar que a sua presença é necessária para a estabilidade política espanhola, mas não têm em conta que todo partido é um instrumento para implantar umas determinadas políticas na sociedade e quando este instrumento deixa de ser útil para aqueles aos que pretendia servir, a sua debilidade não tem porque suscitar saudades senão que seria de desejar que desaparecesse quanto antes melhor, porque se converte numa barreira para que outros podam ocupar exitosamente o seu espaço. Nesta tessitura que o PSOE se dedique a andar cararejando que querem liderar a oposição ao PP, após tê-lo auspiciado para que governe o país, creio que não é realista, e, em todo caso, a sua oposição seria puramente nominal, porque exercer de oposição é incompatível com exercer de governante. Alguns dirigentes não se cansam de propalar que vão exercer de oposição ao PP, mas isto não é realista, além de não ser lógico. Se se dá via livre a um partido para que governe, isso implica que há que deixar-lhe governar, pois seria um despropósito depois negar-lhe que poda exercer aquilo para o que se foi upado, façam-no ou não com o nariz tapado. Aliás, dada a vulnerabilidade atual dos socialistas, o governo do PP pode convocar eleições em qualquer momento e deixá-los ainda numa situação de maior precariedade, se temos em conta a luta a morte entre os dirigentes e a desmoralização que reina entre militantes e votantes.
De cara ao futuro as perspetivas são negativas, tanto pelo que se refere ao PSOE como á esquerda em geral. Agora o PSOE vai apoiar o PP, ainda mais, em momentos clave e com a maior taciturnidade e o nariz tapado para que não se descubram as suas nudezes. É um partido fraturado, sem líder na atualidade e sem que se aviste nenhum candidato capaz de suscitar o consenso entre as diversas famílias que o compõem. O espetáculo bochornoso oferecido no Comitê Federal do dia 30/09/2016, ante os olhos atentos de toda a cidadania, é um expoente claro que invalida, ou, pelo menos míngua, as possibilidades de muitos dos intervenientes nessa reunião, e mui especialmente de Susana Diaz, que, ainda que ferve em ânsias de liderar os socialistas, não demonstra ter as idéias claras do que cumpre fazer, e limita-se a oferecer trivialidades e lugares comuns, com os que é impossível governar um país. A sua promoção foi um blefe que não se corresponde com a sua valia real. Tem os seus acólitos mais aderentes principalmente no sul de Espanha, nos setores mais centristas e jacobinistas, com uma clara dificuldade para compreender e oferecer soluções para o problema territorial do país. Aliás, eu pergunto-me qual pode ser o programa que o PSOE pode oferecer ao eleitorado depois das reiteradas traições e que credibilidade lhe vai merecer aos cidadãos. Madina para mim foi uma clara decepção, pois nunca soube atuar como líder com capacidade de concitar vontades ao seu arredor, e limita-se a fazer de escudeiro de Susana. O candidato que, sem dúvida nestes momentos parece o mais capaz é José Borrell, se bem está sem aclarar qual poda ser a sua capacidade de suscitar adesões.
Para a esquerda em geral, a notícia não é boa, porque parte da esquerda histórica. As reformas de calado vão ficar aparcadas, e, em todo caso, vão estar protagonizadas e vão estar ao serviço, prioritariamente, dos setores mais conservadores do país e jacobinistas. Todo indica que Rajoy considera que, neste momento, está numa posição de vantagem para liderar uma reforma constitucional que não seja lesiva para os interesses da direita. Em Maré tampouco sai mui bem parada porque as políticas que poderia defender nos governos locais vão estar condicionadas pelo apoio do PSOE ao PP, e será muito mais difícil estabelecer pactos no futuro, porque a desconfiança vai ser a tônica dominante nas relações entre ambos. Para os nacionalistas catalães, a notícia não é boa porque vão topar-se com um governo que vai pôr todos os obstáculos possíveis para abortar de raiz as suas aspirações, com um PSOE que vai atuar como um mosqueteiro leal nessa política de conculcação dos direitos dos povos. Ao BNG, que costuma pactuar com os socialistas, a situação também se complica, e deve estar alerta a que casos como os da Deputação de Lugo se vão repetir porque os seus companheiros de viagem não são de fiar".