Antes de começar, lembramos que quando se fala de temas empresariais, não se trata de demonizar a nenhum empresário em concreto, porque qualquer empresário sabe que se não segue as dinâmicas laborais vampirescas que seguem os demais vão ser excluídos do sistema porque serão incapazes de competir com os demais em igualdade de condições. Do que se trata é do marco legal tanto nacional como internacional.
Na década dos sessenta do século XX existia uma forte corrente ideológica, principalmente na Alemanha, que promovia a participação dos trabalhadores na empresa para que se sentissem partícipes dum projeto comum no que eles se sentissem integrados. A essa altura estavam em voga os métodos impulsados polo engenheiro e economista estadunidense Frederick Winslow Taylor (1856-1915), fundador da organização científica do trabalho com objeto de incrementar a produtividade e, em consequência, a competitividade empresarial, especialidade na que eu trabalhei na empresa privada durante sete anos por estar em possessão da licenciatura de Organização científica do Trabalho pola Universidade de Lovaina. Do que se tratava era de fazer uma análise rigorosa e pormenorizada das diversas tarefas com a finalidade de conseguir o máximo aproveitamento das capacidades produtivas dos trabalhadores e trabalhadoras em aras de incrementar a produção e os benefícios empresariais. Estas técnicas de melhora de métodos e tempos corriam o perigo de alienar a atividade produtiva ao descompor as atividades produtivas em frações mínimas que, por exemplo, condenavam a um trabalhador a realizar um trabalho monótono e repetitivo que se reduzia a pôr parafusos durante oito horas a um aparato numa cadeia de produção. Assim era como funcionavam os grandes fabricantes de eletrodomésticos. Frente a esta prática alienante, surge uma reação que defendia, e algumas grandes empresas põem em marcha, a tendência a dar-lhe sentido ao trabalho humano encomendando-lhe a cada trabalhador a realização do produto completo ou de grandes partes dele.
Há duas variáveis que cumpre ter em conta quando se fala dos direitos dos trabalhadores, que são a liberdade sindical e a estabilidade laboral. Um regime como o franquista não permitia a liberdade sindical ainda que os trabalhadores gozavam da proteção do sindicato vertical e duma legislação que compensava a carência de liberdade sindical livre com a garantia legal de estabilidade no posto de trabalho. Um trabalhador que superasse o período de prova, que no caso dos obreiros manuais era de quinze dias, já havia que pagar-lhe um mínimo de indenização de seis meses e um máximo de quatro anos, em caso de despido improcedente, que eram praticamente quase todos os despidos. A empresa em que eu trabalhava tem despedido algum obreiro por estar trabalhando noutra empresa quando estava de baixa na nossa, e o magistrado não admitiu o despido e somente autorizou que se lhe impusesse uma sanção de sete dias de suspensão de emprego e soldo, apesar de estar provados os cargos dum modo fidedigno. Ante a pressão dos sindicatos clandestinos, no ano 1976 as Cortes franquistas, já com João Carlos como Chefe do Estado, aprovam a Lei de Relações Laborais que no seu artigo 35 obrigava o empresário a readmitir a todo trabalhador despedido sem causa justa.
A partir da instauração democracia atual a perda dos direitos dos trabalhadores foi constante, tanto com os governos socialistas como com os governos do PP. Concedeu-se liberdade sindical e legalizaram-se os sindicatos horizontais. Teoricamente, entendia-se que a liberdade sindical compensaria a perda de garantias legais de estabilidade laboral, e que os trabalhadores desfrutariam duma proteção semelhante, mas isto foi uma pura dedução ilusória. As pequenas empresas de menos de dez trabalhadores já não podem ter representação sindical digna de tal nome porque o empresário tem o suficiente poder como para domesticar algum trabalhador que possa ter tentações de se converter em «díscolo», e, em segundo lugar, o que se fez foi atuar sobre os grandes sindicatos concedendo-lhe uma série de prerrogativas e convertendo-os em sindicatos pactistas, o qual provocou grande perda da sua credibilidade perante os obreiros. Ou muito me equivoco na percepção da realidade ou hoje não vejo identificada a grande massa de obreiros com os seus sindicatos.
Na altura da década dos setenta e oitenta, as grandes empresas tinham no quadro de pessoal uma grande quantidade de trabalhadores, e pertencer a uma das grandes empresas era um orgulho pessoal porque os seus trabalhadores gozavam duma grande estabilidade no seu posto de trabalho e costumavam ter um salário decente e uma série de ajudas como podem ser os economatos empresariais, serviços médicos de empresa, planos de pensões, seguros de vida, etc. Os trabalhadores da empresa pública não desfrutavam de alguma destas vantagens, mas tinham uma dose maior de estabilidade laboral e uma menor pressão no desempenho do seu labor. A empresa pública oferece, em resumidas contas, um trato mais amável e mais humano, entre outras cousas, como consequência da menor obsessão por incrementar a conta de resultados para repartir benefícios aos seus acionistas. A partir da década dos oitenta desencadeia-se uma ola de ultra-liberalismo que vai mudar também a política empresarial. Com o repetido mantra da santificação da globalização e da pertença a Europa, ao tempo que se debilita a democracia, o conluio oligárquico-político foi desapoderando sem trégua os trabalhadores dos seus direitos laborais, precisamente no momento em que, simultaneamente, se incrementava a riqueza coletiva e se reduz o contributo das empresas aos dispêndios públicos. As empresas externalizam grande parte da sua produção e as subcontratas adquirem carta de natureza habitual. Desse modo, reduzem drasticamente o quadro de pessoal, ao tempo que os trabalhadores das empresas que subcontratam são submetidos a uma maior pressão laboral e gozam de piores condições de trabalho, porque esta empresa sim tem que contratar num regime de livre competência. Desaparecem os economatos empresariais, pola pressão do Ministério de Comércio, desaparecem os fundos de pensões, reduzem-se os salários e incrementa-se a precariedade laboral. Os gerentes dos interesses dos oligarcas estabelecem um marco para que somente certas empresas possam ser beneficiários das adjudicações de obra pública, a câmbio de comissões tanto pessoais como para financiar o partido e de garantir um sistema fluído de portas giratórias que garantam um retiro dourado num conselho de administração a câmbio de premer sobre os novos gerentes políticos para que reproduzam o sistema. Nesta alternativa, falar de competência empresarial carece totalmente de sentido, porque a obra já está adjudicada muitas vezes de antemão sem competência nenhuma, ainda que isso redunde num incremento do custo de execução. Onde si há muita mais competência é na empresa mediana e pequena. Esta última realiza um esforço enorme para poder manter-se num mundo hostil á sua dinâmica e aos seus interesses. Sai também muito prejudicada pola deslocação de empresas e pola atonia da atividade econômica geral.
Agora a grande empresa já não necessita ter um grande quadro de pessoal, senão que o que necessita é ter grandes recursos econômicos, uma boa oficina técnica, um bom staff para análise do mercado e evolução da economia, um plantel comercial com influência sobre os políticos e uma boa agência de cobros. Os candidatos que melhor podem desempenhar este labor são os políticos retirados que, deste modo, podem gozar dum retiro dourado ocupando um posto no Conselho de Administração e limitando-se a atuar de intermediário com a administração.
A perda de direitos laborais foi esmagadora. Na década dos setenta e oitenta um trabalhador podia estabelecer um projeto vital, constituir uma família, endividar-se razoavelmente comprometendo parte duns ingressos que era razoável esperar, mas isso trucou-se com a imposição da dinâmica globalizadora e os tratados que a fortalecem, entre eles o CETA, que os partidos PP, PSOE e C’s decidem tramitar, e não duvidamos que também aprovar, pola via de urgência. Do que se trata é de fortalecer os direitos ao livre comércio, e por tanto, das grandes empresas transnacionais, ainda que isso prejudique ostensivelmente os cidadãos. A livre circulação de capitais, que é o cerne da globalização, teve como efeito a deslocação de empresas com o objetivo de abaratar os custos de produção, incrementar a conta de resultados e abrir novos mercados, e como corolário, a colocação de grandes quantidades de dinheiro em paraísos fiscais para evitar pagar impostos e manter o dinheiro resguardado de qualquer turbulência. Esta deslocação tem como efeito perverso eliminar postos de trabalho no país de origem, diminuir os ingressos fiscais provenientes tanto das empresas como dos trabalhadores que fiquem sem ocupação ou com menos salário, reduzir os ingressos das arcas da segurança social e incrementar o mercado de oferta de mão de obra que, ao não ser acompanhada duma demanda compensadora, se traduz em diminuição dos salários e de novo também dos ingressos fiscais e de segurança social e obriga a uma máxima competitividade aos trabalhadores para ocupar os postos de trabalho.
Este mundo que nos impôs o conluio oligárquico-político não é um mundo justo porque somente tem sentido uma economia focada a satisfazer as necessidades humanas, evitar que haja pessoas que passam fame e construir um mundo mais habitável. Um mundo que tenha como prioridade acumular riquezas e direitos em poucas mãos e excluir dos bens e serviços à maior parte da cidadania é um mundo irracional e absurdo. Agora alguns pretendem contentar a população destacando o incremento de postos de trabalho, mas silenciando que são trabalhos com salários muitas vezes de miséria e totalmente precários. Também destacam a recuperação do PIB, do produto interior bruto, da riqueza do país, obviando que esta recuperação da riqueza é monopolizada por alguns em detrimento da grande maioria social. Outro efeito desta política é a conversão da democracia num puro remedo de si mesma, porque todo se decide de costas ao povo e dos seus interesses, se bem se lhe garante propaganda a eito para bendizer a nova situação, ao tempo que fustigação sem descanso dos que pretendem mudar esta dinâmica para construir um mundo mais justo e mais habitável. Num mundo muito mais rico, quem se lembra já de participação dos trabalhadores na empresa? A respeito da estabilidade laboral tampouco basta que nos digam que ainda há uma maioria de contratos indefinidos, porque agora o que se pretende é precisamente vaziar de sentido a mesmo conceito de estabilidade laboral, denominando todos os contratos como indefinidos, mas com uma indenização ridícula em caso de despido, que é a oferta de C’s.