Por Maurício Castro | Ferrol | 20/07/2010
Para quem, como eu, nasceu com os 70, a dos 80 foi a década da tomada de consciência social, política e mesmo lingüística, principalmente na sua segunda metade, que foi também quando o Wall Street originário foi projectado nos cinemas.
Logo que soubem da iminente volta de Gordon Gekko, na segunda parte apresentada em Cannes neste mesmo ano, voltou-me a lembrança de aquela história e a vontade de a rever, o que no meu caso é como rever 120 minutos daquele ano de 1987 em que, entre outras cousas, comecei, progressiva e definitivamente, a falar galego.
Nom tivem ainda ocasiom de ver a seqüela, portanto, nom sei se vale a pena recomendá-la. Talvez alguém que leia estas linhas poda adiantar algumha informaçom para o público galego. Ora, a história original, que já revim imediatamente graças aos milagres do streaming online, vale mesmo a pena.
Acontece nom poucas vezes que o tempo deteriora os produtos cinematográficos de maneira irreversível. Nesses casos, arrependemo-nos de regressar à fita em lugar de ficarmos com a lembrança do que para nós era umha grande obra e já nom é. No entanto, noutras ocasions a volta vale a pena, trazendo-nos mesmo novos valores e perspectivas que simplesmente nom encontramos ou nem sequer existiam da primeira vez, porque é foi precisamente o tempo que os colocou aí.
Assim me aconteceu revendo, 23 anos depois, essa história com moral dos tubarons das finanças no centro do capitalismo financeiro da altura: Wall Street.
Comento apenas, como simples espectador, alguns pontos de interesse nesta re-visom da obra: o símbolo repetido, desde o princípio até o fim da história, do poderio económico norte-americano, aparece representado nada menos que polo World Trade Center. Nom podia ser mais imprevisivelmente adequada a escolha dessa inexpugnável representaçom do império do dólar. Impossível nom dedicar uns instantes, logo no início do filme, enquanto assistimos a belas perspectivas das torres gémeas em toda a sua grandeza –acompanhadas da voz de Frank Sinatra a interpretar 'Fly me to the moon”–, a reflectir sobre as surpresas que a história deparou ao centro financeiro novaiorquino e ao resto do mundo.
Com efeito, só dous anos depois de estreia de Wall Street, caiu o Muro de Berlim; pouco depois, desapareceu a divisom do mundo em dous blocos e, em plena Nova Ordem Mundial, alguns anos mais tarde, seriam as próprias torres gémeas que, com a sua reduçom literal a cascalho, confirmavam a perda da hegemonia económica ianque e anunciavam a iminente crise generalizada do todo-poderoso capitalismo. Primeiro foi na versom financeira que retrata Oliver Stone no seu Wall Street mas, imediatamente a seguir, a crise alastrou, está ainda a alastrar diante dos nossos olhos, para o conjunto da civilizaçom capitalista, que em 1987 parecia imbatível.
A moral da história de Stone passa pola crítica da desumanizaçom que supom o ascenso de um capitalismo financeiro que já na altura tinha substituído o modelo clássico, produtivista e regulado, no comando da economia norte-americana e mundial. Embora com umha perspectiva só reformista, a obra adianta-se na denúncia de aquilo que, com efeito, está na base da maior crise sistémica desde 1929. Esta crise que, simultaneamente financeira, ambiental e global, ameaça com ser a mais grave da história do capitalismo.
Nom por acaso, foi a falência do Lehman Brothers, gigante financeiro com a principal sede perto de Wall Street, na ilha de Manhattan, o exemplo real do tipo de práticas de pirataria financeira em grande escala que caracteriza o panorama mundial quando detona a crise em 2008.
Voltando ao filme, Gordon Gekko personaliza esse capitalismo financeiro-especulativo, situado acima de qualquer inserçom na economia produtiva, mas capaz de a condicionar quase por completo, com um poder crescente para a acumulaçom de riquezas e o controlo do mercado livre. Protagonista indiscutível da fita, o personagem encarnado por Michael Douglas chega a verbalizar, como pergunta retórica, a evidência de que nos Estados Unidos de 1987 já nom existe umha democracia, e sim um mercado livre totalmente dominado polos grandes capos do crime organizado das finanças, que ele tam bem representa.
Claro que o discurso crítico do grande realizador norte-americano é limitado em dous sentidos: o primeiro, ao contrapor um capitalismo de rosto humano, representado no filme pola colaboraçom entre os sindicatos e os patrons de umha grande empresa de transporte aéreo, ameaçada por umha operaçom especulativa dirigida polo próprio Gekko. E o segundo, no próprio arrependimento final do jovem Buddy Fox, aspirante a tubarom financeiro, filho de um líder sindical -representado polo actor de origem galega Martin Sheen- que o leva à rectificaçom final. Umha rectificaçom que possibilita a queda do próprio Gordon Gekko, símbolo desse “capitalismo deformado”. É aí que acaba a história, possibilitando umha leitura em chave de reivindicaçom do capitalismo produtivo face ao financeiro, por parte de Oliver Stone.
É aí também que se situam os limites da própria tese do autor, que nos últimos anos tem vivido, como todos nós, a entrada do capitalismo financeiro global numha profunda crise. Porém, a realidade está a indicar que, em lugar de se deter no rebentamento das correspondentes bolhas dos mercados especulativos para regressar a formas regulatórias ou pré-neoliberais, a crise pode levar-nos a umha falência total do sistema.
Para além da leitura mais política da obra, nom quero deixar de apontar a sensaçom retro quer produz assistir à apariçom no ecrám dos “grandes avanços” tecnológicos dos primórdios da era informática e da telefonia móvel. Inclusive há um breve diálogo em que o tecnologicamente avançado Gordon Gekko fai referência aos novos tempos que a tecnologia digital representa. Para além da engraçada estética oitenteira do filme, a mostra de enormes telefones sem fios, grandes computadores pré-históricos e outros tarecos tecnológicos anunciava a explosom tecnológica que ainda nom adivinhava o papel da Internet, cuja expansom só aconteceria na década seguinte.
Em definitivo, foi com prazer que voltei a este velho filme dos meus lembrados oitenta e acho que até dá para o recomendar a quem, por idade ou outros motivos, nom tivo ocasiom de ver o original nas salas de cinema.
Já da segunda parte, de iminente estreia, nom podo falar. Contodo, mesmo que seja só por curiosidade, tentarei ver a continuaçom. Isso sim, como infelizmente nem todo tem mudado desde 1987, temo que terá que ser, como há 23 anos, obrigatoriamente em espanhol.