Proteger os catalães dos catalães

Quando não se quer fazer-lhe frente aos problemas se lhe dão uma série de voltas e reviravoltas para ver como se apresentam ante os cidadãos medidas que, no fundo se reduzem a repressão pura e dura.

Por Ramón Varela | FErrol | 04/08/2017

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Um dos mantras frequentes a respeito dos catalães foi e é a acusação de que os partidos independentistas dividem os catalães, sem querer dar-se conta que é a sociedade catalã, como todas as sociedades atuais, a que é plural e os partidos políticos ou são a expressão da pluralidade social ou não são nada. Por isso são partidos, quer dizer, representações de partes do todo social. Primo de Rivera criou a União Patriótica, uma associação de todos os cidadãos de boa vontade, supostamente neutra, que pretendia integrar a toda a sociedade numa única organização e assim substituir os partidos políticicos tradicionais. Franco criou o movimento nacional, um partido único, com a pretensão de que representasse a totalidade da sociedade, e, consequentemente, proibiu os partidos políticos, porque, segundo o regime franquista, dividiam e enfrentavam a sociedade. Igualmente os sindicatos, chamados verticais, deviam representar a obreiros e patronos numa espécie de irmandade fitícia que servia para tapar a conflitividade real e as diferenças de classe. Isto é totalitarismo e dirigismo político, que, em vez de respeitar a realidade tal qual é, pretende que a realidade de acomode ao que lhes interessa aos dirigentes, enquanto que respeitar e acomodar-se à realidade plural é democracia.Isto explica que os regimes com um sistema eleitoral proporcional é mais democrático que um sistema majoritário porque permite que estejam representadas mais opções sociais.
 
O 5/07/2017 o presidente do Governo de Espanha, Mariano Rajoy pediu-lhe aos catalães que “sigam mantendo confiança no futuro, porque os delírios autoritários e frentistas nunca poderão vencer a serenidade e o equilíbrio do nosso estado democrático” e eu pergunto-me, que autoridade moral tem para fazer esta petição um presidente do governo espanhol que fez campanha por toda Espanha para captar votos espanholistas à custa dos catalães e recorreu ante um TC “amigo” um estatuto já plebiscitado por esse povo ao que agora lhe pede confiança cara ao futuro? Por outra parte quisser que nos explique o Sr. Rajoy a que catalães se refere quando ele somente representa ao oito por cento dos catalães e nada menos que um oitenta por cento da sociedade catalã quer poder manifestar a sua voz e decidir o seu futuro, uns ligados a Espanha e outros como uma entidade independente, e a decisão final teria que ser naturalmente, em democracia, o que decida a maioria., que é fundamentalmente o motivo do referendo do 1/10/2017. Em terceiro lugar, gostaria saber se os delírios autoritários os identifica com essa vontade de votar, o qual seria grave, ou se é outra cousa e, em contrapartida, se a sua política tendente a manter aferrolhado a um povo sem oferecer-lhe nenhuma saída não é autoritária; em quarto lugar se a serenidade e equilíbrio do estado democrático não corre o risco de identificar-se com a intransigência, falta de flexibilidade e negativa a oferecer uma via de saída a um problema que ele mesmo criou com a finalidade de que os políticos favoráveis ao referendo mordam o pó da derrota e da humilhação, à semelhança do que aconteceu com a ETA; e, finalmente, quisser saber se não é separatista dividir os catalães em sensatos, democratas e moderados, que seriam os que assumem o seu ideário, e os demais, que, naturalmente, cumpriria qualificar de insensatos, antidemocratas e extremistas. Não basta com pór-se firme e intransigente, porque a política, se é democrática, só pode estar fundamentada no pacto e na transação.
 
Outro dos mantras repetido polos políticosespanholistas é que o problema catalão têm que decidi-lo todos os espanhóis, porque Catalunya é uma parte de Espanha, e, portanto, uma região duma nação que seria hipoteticamente a nação espanhola, mas isto nunca pode ser assumido por um povo que se considera uma nação, como é o caso de Catalunya, pois uma nação é uma entidade que se considera com direito à soberania e autonomia plena e que não está disposta a ficar reduzida a uma parte duma entidade soberana distinta, como seria a espanhola. Isto significa que os pactos somente têm sentido desde um plano de igualdade entre os patuantes, que constitui um requisito imprescindível para que conformar um estado federal. Os que defendem o federalismo, palavra que provém do latim foedus, que significa pacto, que somente tem sentido se os patuantes se acham numa situação deigualdade, deveriam pronunciar-se a este respeito ou aclarar se oseu federalismo se reduz a uma imposição desde a cima, como aconteceu no caso do Brassil ou querem deixar que o povo decida.
 
Mariano Rajoy também afirmou que o governo está “defendendo as instituições autonômicas catalãs e os seus funcionários, que não podem ser utilizadas ao serviço duma atuação contrária a direito”, o qual seria muito de agradecer se estas instituições lhe pedissem ao chefe do governo espanhol que as defenda, mas estas instituições estão governadas precisamente por uma maioria absoluta que não demandou tal ajuda e que foi votada majoritariamente pola sociedade catalã. Tem razão o chefe do Governo espanhol quando afirma que a sociedade catalã é mui plural e de caráter mui moderado, creio que algo semelhante ao que ocorre com a sociedade espanhola em geral, mas assim como isto não é óbice para que na Espanha governe um partido como o PP, apoiado por uma maioria parlamentar, tampouco deveria ser óbice para que em Catalunya governem os partidos que votaram os catalães sempre que estejam apoiados também por uma maioria que lhes permita governar. E igual que ninguém defende que Rajoy intenta impor polas bravas o seu programa, também é improcedente dizê-lo dos catalães. É igualmente um desatino considerar que tem que proteger os catalães dos catalães, ou seja, de si mesmos e do governo de que se dotaram com o seu voto livre e responsável, pois suporia considerar a sociedade catalã como uma sociedade infantilizada, e tampouco tem sentido nenhum afirmar que se enganam com o seu voto, pois unicamente o futuro poderia, permanecendo todas as demais circunstâncias invariáveis, servirde pauta para dilucidar esta questão.
 
Outro dos mantras reiteradamente repetido é que há que cumprir a lei, o qual é evidente sempre que a lei seja legítima, mas quando a lei se perverte como aconteceu com o estatuto de Catalunya a questão já não está tão clara e inclusive em certos casos não só se pode incumprir a lei senão que existe a obrigação de fazê-lo. Aliás, carece de autoridade moral para exigir o cumprimento da lei quem a incumpre com os frequentes casos de corrupção e com anistias ilegais para favorecer aos que se apropriaram do dinheiro público. Outro dos mantras reiterado profusamente é que a democracia é o estado de direito, mas o estado de direito é somente uma condição necessária mas não suficiente para que exista democracia, mas esta precisa que o povo poda decidir livremente o seu futuro e o seu governo. Consubstancializar a democracia com o estado de direito equivaleria a afirmar que o reinado de Carlos III já era democrático ou que uma ditadura que obrique a respeitar a sua legalidade já é uma democracia.

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Ramón Varela Ramón Varela trabalhou 7 anos na empresa privada e, a seguir, sacou as oposições de agregado e catedrático de Filosofia de Bacharelato, que lhe permitiu trabalhar no ensino durante perto de 36 anos.