Atuemos sem disfarce, mas atuemos!

Os versos de umha das mais belas letras de Pedro Homem de Mello, musicada por Alain Oulman e cantada pola Amália Rodrigues, recobra máxima atualidade nestes tempos onde os ouropéis todo invadem com o seu falso brilho e enganosa aparência.

Por Carlos Morais | Compostela | 25/02/2015

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O êxito de projetos políticos adulterados e carentes da mais mínima capacidade para transformar e sim para gerar falsas expetativas, atrai transversalmente umha parte significativa do povo desencantado com a casta cleptocrática e ainda mornamente encolerizado polas suas nocivas políticas de socializaçom da precariedade e da pobreza.
 
Mas nom desesperemos. Embora o processo ainda nom tenha atingido o seu equador, e tenha um percurso condicionado pola agenda eleitoral, o seu resultado é tam previsível como a crise do capitalismo serôdio provocada pola bolha imobiliária e conjunto de excessos do capitalismo especulativo.
 
Será a partir de 2016 quando comecemos a comprovar como um ilusionante fenómeno que hoje aparenta enorme vigor vai, ou bem derruir como Lehman Brothers, ou definitivamente mutar até se converter na força convencional que já hoje é, ainda que resista na perceçom dessas amplas camadas populares fascinadas por líderes de laboratório e torres de marfim. 
 
Aí assistiremos a umha imensa frustraçom, cujo resultado nos dias de hoje é incerto, porque, ao igual que nos versos de “Havemos de Ir a Viana”, temos parado na construçom e socializaçom de projeto rupturista e patriótico que a Galiza e o seu povo necessita.
 
Partamos de flor ao peito
Que o amor é como o vento
Quem pára perde-lhe o jeito
E morre a todo o momento
 
Sim, negá-lo é absurdo, é simples maquilhagem dumha realidade constatável em factos e ausências. Temos perdido o jeito à hora de ligar com a Naçom que reclama em silêncio e de forma sempre contraditória finalizar com tanto sofrimento, que sonha com superar esta longa noite invernal à intempérie, que deseja umha vida melhor, que comovida e golpeada pola crueza e devastaçom do presente reclama soluçons imediatas.
 
Ainda nom logramos entender bem os comportamentos do povo trabalhador e aferramo-nos a umha narrativa que deve ser reelaborada, adequada aos novos tempos. 
 
Nom queremos compreender até que ponto o fast thinkers que esses prime time televisivos aos quais nom podemos aceder por motivos óbvios, condiciona a nossa intervençom como parte do campo da esquerda revolucionária galega.
 
Nom somos capazes de aplicar algumhas das melhores ensinanças do leninismo: a enorme flexibilidade tática enquadrada na firmeza estratégica, e que todo é possível com audácia, coragem e determinaçom. Que, para recuperarmos o fio, é também imprescindível agir com imaginaçom e criatividade, largar os lastros da inércia e da monotonia. 
 
Temos que correr riscos como sempre figemos. Umha tortilha nom se pode fazer sem quebrar os ovos. 
 
Às vezes mesmo agir de forma temerária. Com prudência e contemplativa nom se avança nem se ganha. Só retrocederemos mais.
 
A realidade exige e reclama-nos que chegou a hora de reconfigurar as formas de comunicar e aplicar a linha tática. Nom podemos continuar a demorar mais, porque os tempos políticos nom os marcamos nós. Se continuarmos atrapados na perturbaçom e no timoratismo, nom teremos possibilidades de manobra exitosa. Há que afastar o desconcerto e o imobilismo das nossas fileiras.
 
Nós nom receitamos analgésicos, nem terapias milagrosas, nem queremos simplesmente ocupar alcatifa, nom temos duplo discurso nem dupla moral. Nom veneramos simultaneamente a deus e ao demo, nem divulgamos inspiradas e ambíguas declaraçons de intençons para todos os públicos, discursos liquados que só contribuem para aprofundar na alienante anemia combativa que se instalou nestes tempos de barbárie e desesperaçom. 
 
Nom podemos cair no amorfismo nem deixar-nos intimidar polo que hoje, aparentemente no campo d@s oprimid@s, arremete com fúria contra mais de 150 anos de luita operária, nacional e popular. Que nega a nossa condiçom de povo e naçom, que equipara direitos individuais e coletivos, que se inspira nos discursos joseantonianos e peronistas, que se disfarça e sobreatua, procurando essencialmente substituir as elites tradicionais pola que eles representam. 
 
Mas agir com honestidade e sem enganos nom significa renunciar a dar as batalhas do presente, desmascarar impostores, demonstrar com paciência pedagógica que nom se trata de afastar do poder a casta e os banqueiros, e sim de tomar o poder e construir umha nova sociedade desmontando o modo de produçom capitalista e as opressons que implica.  
 
Nom é fácil. Mas nom temos outra saída se queremos que o futuro nom siga dominado polos dias de ferro e fel.
 
E voltando à nossa Amália -tal como os poderosos e os seus apoiantes bem sabem, por isso nom descansam nas reformas do Código Penal, nos cortes de liberdades e no incremento do controlo social-, mais tarde ou mais cedo, como eu também sei "Se o meu sangue não me engana, havemos de ir a Viana...".
 
Do contrário, daríamos a razom às posiçons derrotistas, aos que por comodidade abraçam o conformismo. Lamentaríamo-nos cada manhá. Porque, novamente recorrendo aos formosos versos de Pedro Homem de Mello,
 
Os pecados têm vinte anos
Os remorsos têm oitenta

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Carlos Morais Carlos Morais nasceu em Mugueimes, Moinhos, na Baixa Límia, a 12 de maio de 1966. Licenciado e com estudos de doutoramento em Arte, Geografia e História pola Universidade de Compostela, tem publicado diversos trabalhos e ensaios de história, entre os quais destacamos A luita dos pisos, Ediciós do Castro, 1996; Crónica de Fonseca, Laiovento, 1996, assim como dúzias de artigos no Abrente, A Peneira, A Nosa Terra, Voz Própria, Política Operária, Insurreiçom, Tintimám, e em publicaçons digitais como Diário Liberdade, Galicia Confidencial, Sermos Galiza, Praza Pública, Odiário.info, Resistir.info, La Haine, Rebelion, Kaosenlared, Boltxe ou a Rosa Blindada, da que fai parte do Conselho assesor. Também tem publicado ensaios políticos em diversos livros coletivos: Para umha Galiza independente, Abrente Editora 2000; De Cabul a Bagdad. A guerra infinita, Dinossauro, 2003; 10 anos de imprensa comunista galega, Abrente Editora 2005; A Galiza do século XXI. Ensaios para a Revoluçom Galega, Abrente Editora 2007; Galiza em tinta vermelha, Abrente Editora 2008; Disparos vermelhos, Abrente Editora 2012. Foi secretário-geral de Primeira Linha entre dezembro de 1998 e novembro de 2014. É membro do Comité Executivo da Presidência Coletiva do Movimento Continental Bolivariano (MCB). Fundador de NÓS-Unidade Popular em junho de 2001, formou parte da sua direçom até a dissoluçom em maio de 2015. Na atualidade, fai parte da Direçom Nacional de Agora Galiza e do Comité Central de Primeira Linha.