A minha memória conserva com absoluta nitidez aquela tarde de topácio que desafiava a chuva galaica, na derradeira semana de março de há exatamente 17 anos e dous meses, quando fui buscar o camarada Justo de la Cueva à estaçom de autocarros de Compostela.
Tal como apreendera de José Martí, o Justo que eu, que nós, @s comunistas galeg@s de Primeira Linha conhecimos, tentatava que a sua vida militante e persoal fosse um exemplo permanente de pedagogia guevarista. Sabia perfeitamente da profunda carga que o exemplo individual projeta na consciência coletiva. Eis polo que sob a estela da declaraçom martiana renunciara ao aviom, optando por umha longa viagem por estrada para participar naquelas, já hoje longíquas, IV Jornadas Independentistas Galegas intituladas “Comunismo ou caos”.
Antes de voltar novamente à Pátria dos castros, à Galiza dos mil rios e das elegantes palmeiras caribenhas, Justo já tinha logrado transmitir umha leiçom de austeridade a umha jovem militáncia ávida de conhecé-lo. Claro que sim, camarada Justo, a “melhor maneira de dizer é fazer!”.
Quando o camarada e amigo Andoni Baserrigorri me informou do falecimento de Justo, umha doorosa sensaçom de abatimento e tristeza embargou-me. Com a sua marcha face a eternidade ficamos um pouco mais orfaos dos que já estavamos, após o abandono físico do Francisco Martins Rodrigues à quen tivem a honra de apresentá-lo em maio de 2004 como ponente das VIII Jornadas Independentistas Galegas dedicadas a comemorar o 80 aniversário de Lenine.
Um torvelinho de emoçons e gratas lembranças transportarom-me às leituras do seu monumental e inigualável “Negación vasca radical del capitalismo mundial”, um livro escrito nos dias de ferro e fel posteriores à implosom do socialismo soviético, e que muito ajudou naquela altura a fazer caminho.
Do seu inimitável estilo, umha fusom de veterano militante bolchevique e revolucionário do século XXI.
Das longas horas de incansável conversador, da energia que transmitia, das anedotas que com precisom cartesiana relatava, da coragem que ao longo da sua intensa vida transmitiu, da exatidom terminológica, da facilidade de comunicar com jovens que nom viam nele um avô e sim um exemplo a seguir.
Tivem o privilégio de conhecé-lo e de apreender dele. Privilégio sim!, porque com a sua morte a humanidade perdeu a um individuo excecional, dos que de maneira cadencial os séculos de luita de classes forjam de forma limitada, dos que marcam pegada, dos que deixam umha referencialidade indelével.
Intrépido, às vezes temerário, sempre irreverente, incansável, transgressor, dos que nom tinham pêlos na língua, dos que diziam exatamente o que havia que dizer sem deixar-se guiar polo “estupidamente correto”, assim era, assim recordamos e assim transmitiremos às novas geraçons de militantes comunistas da Galiza, como era o nosso caro e inesquecível camarada Justo de la Cueva Alonso, um indestrutível soldado da Revoluçom.
Mas nom se pode falar do Justo sem falar de Margaria Ayestarán Aranaz, a sua amada Margari!.
Justo e Margari, Margari e Justo, som o mais similar à equaçom perfeita de duas vidas de amor e mútua veneraçom, de apaixonada militáncia compartilhada, de entrega generosa à causa do Socialismo/Comunismo.
Embora a primeira vez que o Justo participou nas Jornadas Independentistas Galegas vinhese só, Margari sim o acompanhou nalguns dos posteriores compromissos conosco, para os seus míticos cursos de marxismo-leninismo que tanto contribuíram para formar a primeira militáncia do novo comunismo galego e ao desenvolvimento do seu projeto revolucionário.
Ambos eram uns namorados e entusiastas da Galiza. Tinham um profundo conhecimento da nossa idiosincrasia e ser nacional, das mais essenciais convinçons e superstiçons do povo trabalhador galego.
Um quartel de século antes do reencontro com a Galiza por meio de Primeira Linha, o Justo e a Margari tinham realizado um colossal investigaçom sobre a situaçom do milenário idioma, esculpido polo povo trabalhador e pobre, e dignificado por Rosalia de Castro.
Sim, em “Las familias de la provincia de Pontevedra en 1974 (Galleguidad y conflicto linguístico gallego)” Margari e Justo lográram -por meio de um trabalho de campo que ainda é essencial nos estudos sociolinguísticos atuais-, penetrar no mais íntimo do nosso génio nacional.
De entender o cerne da nossa galeguidade derivada da língua das labregas do Val Minhor e o Deça, do idioma das serras da Paradanta e Tabeirós, dos marinheiros do Morraço e a Guarda, do proletariado fabril de Vigo, dos emigrantes em Genebra e Düsseldorf, das ilhas de Sálvora e Ons, do exílio em Buenos Aires e México DF. O idioma comum a ambas beiras do Minho!
Nesta tarefa descubríriom a importáncia das criaturas mitológicas, dos trasnos e dos urcos, da santa companha, das bruxas e meigas, dos lugares encantados, dos amuletos e talismás, dos conjuros, que geraçom após geraçom o povo foi transmitindo e conservando. Tarefa que tanto lhes ajudou a compreender o também falecido Antom Patinho Regueiria, livreiro e grande conhecedor da nossa cultura nacional do que sempre nos falava Justo.
Este trabalho académico contribui nom só para entencer a complexidade da nossa luita de libertaçom nacional, foi essencial para amar a nossa naçom, para defendê-la e agir de embaixadores permanentes no seu querido País Basco.
Justo é como um escornabóis que se alimenta de madeira de carvalho nas fragas que resistem à colonizaçom das espécies invasoras. Justo foi um singular exemplar de Lucanus cervus que nunca se deixará exterminar e com persistência resiste o passo do tempo com a sua vermelha mandíbula de luitador. Mas também foi e é um colibri imaginário que habita à volta das esbeltas palmeiras que tam bem se adatárom ao país dos castanheiros, sobreiras, faias e teixos.
Hoje, nestes tempos de claudicaçom e derrota, de renúncias e refluxo da luita operária, Justo de la Cueva é mais necessário que nunca. A sua açom teórico-prática é umha luz entre tanta oscuridade disfarçada de taticismo.
Quanto falta nós fas companheiro e camarada Justo de la Cueva!
Agitador e propagandista leninista, inesgotável combatente pola causa de exploradas e humildes, @s comunistas galeg@s de Primeira Linha honramos a tua memória e o teu exemplo.
Quero aproveitar esta oportunidade que nos brindais neste ato de homenagem para reafirmar a plena atualidade do marxismo-leninismo como teoria revolucionária para conquistar um mundo sem exploraçom, dominaçom e guerras. A toma do poder como única via para acabar com o capitalismo e a opressom nacional que o povo basco e galego padecemos polo projeto imperialista espanhol.
Quero aproveitar esta ocasiom para reclamar o direito à rebeliom armada contra toda forma de governo ilegítimo e tiránico, da rua como espaço priotitário para a luita, da necessidade de construir organizaçons operárias formadas e dirigidas pola classe trabalhadora, pois só ela por si mesma se pode emancipar. Quero lembrar tal como tantas vezes escuitei ao Justo que “Os princípios nom se negoceiam”, que a nossa luita é para vencer!
Estes som alguns dos antídotos do marxismo genuíno que o Justo divulgou ao longo de décadas, mediante centos de charlas, artigos, livros, folhetos, entrevistas, declaraçons.
Estou certo, porque conheço parte da sua obra, que nas mais de 14 mil páginas que deixou escritas acharemos linhas de análise e soluçons teórico-práticas que nos permitam depurar o marxismo da grotesca adulteraçom, da esterilizaçom, da vulgarizaçom à que o conduziu a hegemonia pequeno-burguesa, causa das capitulaçons em curso.
A última vez que o vim foi na sua casa de Etxarri Aranatz em fevereiro de 2010 quando lhe levamos a conhecer a Leilia que só tinha nove meses.
Posteriormente conversei telefonicamente com ele. Lembro como se fosse há um minuto a serenidade e imenso amor com a que relatou como se achava após a perda de Margari em maio de 2011.
Obrigado Justo pola tua solidariedade internacionalista, por todos os teus contributos à Revoluçom Galega, pola tua lealdade com Primeira Linha, polo teu imenso amor polo nosso povo, pola nossa Pátria e pola sua libertaçom.
No ano do centenário da Revoluçom bolchevique, e do 50 aniversário do assassinato do Che, quero finalizar esta modesta mas sincera homenagem ao Justo de la Cueva, citando a Lenine e o guerrilheiro heroico porque sei que seriam do seu agrado.
“A democracia na sociedade capitalista nunca pode ser mais do que umha democracia truncada, miserável, falsa, umha democracia apenas para os ricos, para a minoria”.
“Todos os dias há que luitar para que esse amor à humanidade vivente se transforme em factos concretos, em atos que sirvam de exemplo, de mobilizaçom”.
E também recordar as proféticas e sempre lúcidas palavras que manifestou em agosto de 2011, numha das suas últimas intervençons públicas, antes de abraçar o silêncio e o recolhimento perante a imensa dor causada polo falecimento de Margari e o rumo da causa basca à que dedicou boa parte da sua vida.
“Haverá que resistir e haverá que resistir nom só resistindo senom atacando, haverá que construir umha consciência de luita, e haverá que estar dispostos, haverá que estar treinados, haverá que estar listos para quando o momento surja, para quando a oportunidade apareça…”.
A minha profunda admiraçom polo Justo, pola sua trajetória e exemplo militante, por ser até o final imensa e intensamente vermelho como as cereijas e os morangos. Por nom contemplar nunca a possibilidade de conjugar a rendiçom como umha hipótese comunista, por divulgar esse marxismo depurado e vacinado contra o virus do reformismo e o revisionismo de falsa fachada comunista. Por nunca deixar-se embaucar polo cantos das sereias do pós-modernismo e as esterilizantes modas imperantes. Por ser como sempre foi: genuíno e autêntico.
Muito obrigado!
Obrigado a Zuzen, Zuriñe, ao Oskar por contar comigo, por contar conosco, nesta despedida merecida e necessária! Muito obrigado!
Viva Justo de la Cueva!
Honra e glória camarada!
Garaipen arte!
Por Justo nem um minuto de silêncio, toda umha vida de combate!
Independência e Pátria Socialista!
Comunismo ou caos!