Mancomunidade ou democracia sem estado

Há quem gosto imenso de ver bandeiras islandesas na rua quando há manifestações. Não apenas pola valente atitude que o simpático povo dessa ilha atlântica tem demonstrado durante os últimos anos, mas pola velha e esquecida relação que tem com a Galiza. A Islândia comemora também, um milénio depois, os três séculos de existência da Mancomunidade Islandesa (930-1262), referente para um modelo político de democracia sem estado, fundamentado no consenso e na participação direta. Outros povos, desde a Galiza ao Curdistão, inspiraram-se nessa noção de confederalismo democrático, sustento de um povo livre.

Por Joam Evans Pim | Arteixo | 24/11/2012

Comparte esta noticia
Na altura da Mancomunidade Islandesa, uma viagem em barco da Galiza até o Báltico demorava-se não mais de sete dias, enquanto a complicada rota para o centro da meseta ibérica requeria semanas. A proximidade com os povos nórdicos e germânicos evidenciou-se em poderosas e ocultadas alianças e na continuidade das instituições políticas comuns: a propriedade comunitária ou germânica (Allmende) e as assembleias vizinhais (Markgenossenschaft), ligadas a esta. E algo ficou, pois somos, junto com os territórios da velha Gallaecia, o lugar da Europa onde estas instituições se mantêm de jeito mais vigoroso.
 
Do passo dos lordemãos por Galizuland (lugar bem distinto do que chamavam Spanialand) dão conta as crónicas da igreja, onde os homens do norte são apresentados sempre como saqueadores sanguinários de vilas e aldeias. As sagas nórdicas, no entanto, apresentam um cenário bem distinto, no que os navegantes das drakkar e os habitantes da Galiza formam com frequência pactos e alianças para combater senhores feudais e flagelar conjuntamente a igreja, mesmo que por interesses distintos. Talvez fruto dessa proximidade seja a conservação de elementos culturais tão evidentes como as dornas ou as decorações das cangas de bois.
 
O desgosto polas estruturas de Estado vinha de longe. Quando os primeiros colonos da Noruega chegaram a Islândia tencionavam reestabelecer um sistema político descentralizado sustentado na tradição das assembleias paroquiais e comarcais (as Thing). As pequenas assembleias de clã, confederavam-se numa estrutura maior representada polo Althing (nome que ainda hoje mantém o Parlamento da Islândia, embora com uma natureza muito distinta). Do mesmo jeito que na Galiza, a tarefa primordial das assembleias como fórmula de organização social e política era gerir as instituições de ajuda e solidariedade mútua assim como a a propriedade em mão comum.  
 
Os sistema assemblear manteve-se durante mais de três séculos, sucumbindo apenas pola pressão da igreja que, articulando um monopólio sobre as organizações de defesa, fez-se com um poder que permitiu a introdução forçosa de impostos, burocracia e estruturas militares permanentes, fundamento do estado segundo a conceção política mediterrânica. A definição clássica do que é o estado parte do monopólio do uso da força letal, da qual se derivam os seus restantes atributos contemporâneos: impostos, governantes profissionais, mão de obra assalariada e prestações para manter o nível produtivo desta (“bem-estar” ou sistema de reparação e contentamento de assalariados estragados). Talvez por isso a Mancomunidade Islandesa resulta ainda tão atrativa para imaginar modelos futuros que se afastem da conceção atual de estado.
 
Hoje, a ideia de uma Mancomunidade Galega volta a estar na mesa. Fora introduzida por vez primeira por Lois Pena Novo em seu livro “La Mancomunidad Gallega” de 1921 que, no contexto político da época, atacava o engendro provincial. Pena Novo considerava o regime provincial “el más grande error del constitucionalismo” pois fundamentava-se em “caprichosas divisiones administrativas y territoriales, establecidas sin ningún fundamento histórico geográfico ni económico”. O autor lembra-nos que “estos organismos no nacieron de una necesidad social sino de una conveniencia política”, a de “esterilizar” as energias autóctonas garantindo o funcionamento do novo regime. A visão de Pena Novo entronca com a defendida polo movimento agrarista e o incipiente nacionalismo. Enrique Costas Sánchez e Vicente Risco afirmavam no Congresso de Economia Galega de 1925: “Cada paróquia poderá, e ainda deverá, constituir-se em cooperativa de produção e consumo, governada pola Assembleia ou Conselho de Vizinhos [...], contribuindo os seus rendimentos ao sustento das necessidades da paróquia e à melhora da mesma em todos os aspetos”.
 
Hoje a ideia da Mancomunidade Galega continua viva e agroma com novas propostas inspiradas no modelo de cooperativas integrais que combinam, como na Islândia de faz mil anos e como em muitas aldeias e paróquias galegas, os princípios de autogestão em democracia direta, ajuda e solidariedade mútua e propriedade em mão comum. Frente a queda do estado e da sua pantomima bem-estarista, a Mancomunidade Galega, descentralizada, participativa, autónoma, poderá ir tão longe como a criatividade e esforço das suas comuneiras a levem, tornando realidade projetos como as moedas sociais locais, os sistemas de intercâmbio de trabalho, redes de troco e consumo coordenado, recuperação de aldeias e comunidades de montes, etc. Generalizada e extensa, deixaria o estado (qualquer um, espanhol, galego ou europeu) de gionlhos, privado dos seus instrumentos de controle e espólio: trabalho assalariado e impostos. 

Comparte esta noticia
¿Gústache esta noticia?
Colabora para que sexan moitas máis activando GCplus
Que é GC plus? Achegas    icona Paypal icona VISA
¿Gústache esta noticia?
Colabora para que sexan moitas máis activando GCplus
Que é GC plus? Achegas    icona Paypal icona VISA