Por Joam Evans Pim | A Coruña | 01/02/2012
A Constituição de 1812 e as suas sucessoras conseguiram o objetivo primário de aniquilar a democracia direta e os sistemas sociais comunitários substituindo-os pola primazia do estado total: apropriando-se dos bens vizinhais, arrecadando impostos cada vez mais gravosos destinados ao fortalecimento de um aparato repressor e expansionista, rachando os vínculos e fórmulas de trabalho comunitárias e fomentando uma dependência social cada vez maior.
Entre celebrações diversas, os grandes partidos espanhóis e mesmo alguns dos mais veteranos políticos galegos terão por bem lembrar-nos do seu grande papel na hora de ter-lhe entregue mais uma vez ao povo a sua “democracia”, o poder de governarem-se a si próprios. Até os já defuntos ministros da democracia orgânica franquista serão duplamente honrados neste ano, em pleno século XXI, por terem emendado as “Leyes Fundamentales del Movimiento” de forma tão eficiente que até podemos chamá-las “Constituição”, mais uma vez, como aquela de 1812.
Junto com os “Padres de la Constitución” restantes, os “sobrinos de la pátria chica gallega” não podem deixar de ser festejados junto com a nossa arrebatadora “charte octroyée” de 1981 que, mesmo cumprindo trinta anos, foi incapaz de concretizar algumas das reclamações essenciais do galeguismo: reconhecimento da personalidade jurídica da paróquia e reintrodução da democracia direta como forma de autogoverno do povo galego. Mesmo no ponto álgido do chamado 15-M não se conseguiu ir para além de um cândido, vago, urbanita e constitucionalíssimo “¡democracia real ya!”, instrumentalizando facilmente o clamoroso descontento social com a classe política.
Embora se queiram apagar as críticas, a Constituição de Cádiz dificilmente pode ser objeto de comemoração. Faz apenas algumas semanas apareceu um interessante documentário protagonizado por Félix Rodrigo Mora (“La otra cara de la Pepa”, disponível em http://vimeo.com/35301680) no que se oferece uma visão alternativa do fito de 1812 e do século que o veio a continuar. Rodrigo Mora explica como a revolução liberal espanhola serviu para substituir a velha instituição do concelho aberto, gerida por democracia direta, por administradores de designação real despachados com o objetivo exclusivo de efetivar os impostos e controlo político estatais, debilitando os laços de interdependência e solidariedade comunitária e privatizando os bens comunais.
Como consequência, temos hoje um sistema político que infantiliza as pessoas impossibilitando-as do exercício do poder democrático, um sistema administrativo e territorial articulado sobre divisões alheias e arbitrárias (o município e a província) e um sistema de propriedade que nega a própria existência dos bens comunitários, como uma e outra vez reclamam as organizações de montes em mão comum e que deveria ser fundamento de um verdadeiro cooperativismo. A democracia não nos foi dada: foi roubada. A alternativa não é utopia: é direito. Para os leitores ávidos: “Concellos abertos na Límia” (Fariña Jamardo, 1982) e “Democracia directa municipal” (Orduña Rebollo, 1994).