Vitor Belho, viver o processo

Um dos principais seres que promoveram e ativaram cenas da música popular galega nesta geração entre os 80 e a atualidade não é músico precisamente, é um homem movido pola paixão, palavra que se repete nesta entrevista como alentador do rumo. E junto à sua paixão vai a debilidade e necessidade de ser feliz com a gente que atopa no caminho e com a que deseja somar forças.

Por Cobrantas - Ugia Pedreira | Galiza | 27/03/2016

Comparte esta noticia

552139_396151673825712_999837618_n

Falamos em Cobrantas com Vitor Belho, de Bendoiro. A mim sempre me chamou a atenção o Vitor, um vivedor absoluto do Processo. Construtor de situações, de pontes, propiciador de encontros e estampas. Prismático, bom cozinheiro, afanado pai, acolhedor taberneiro, amigo dos seus amigos, adorador da confiança... "Cantos na maré", "O festival dos abrazos", a chegada do Womex à Galiza, o espazo da Casa das Crechas e um cúmulo mais de projetos envolvem a sua vida graças à banda sonora. Ante tudo alguém que dá, move, fai, efetua, corre, salta, coloca, limpa... como di o dito popular sempre se critica a quem fai, seja bem ou mal.

Estas são as respostas a perguntas que som caravilhas para medrar, dum ser que é ante todo cuidador.

Como menires chantados no desenvolvimento pessoal e profissional da vida duma, de qualquer, um sempre tem mestres-as dos que recolher o saber. Entre as pessoas que me marcastedes, das que aprendim muito dos contextos que contruistedes estás tu. Conhecim-te num festival de Vilagarcia de jovens intérpretes, eu ia com um pandeiro e viola e ti acompanhando a Dhais. Dhais, Lalim, Bendoiro, primeiras épocas de Crechas, de azouridos movimentos culturais e sociais. Já choveu não? Esse Vitor quem era?

Choveu sim... mas ainda lembro aquele momento... e lembro-te e lembro-me; aquele Vítor era um rapaz jovem, ativista, militante, apaixonado, tocado pola magia da música, querendo formar parte daquilo da música folque fora como fosse e com a sorte de ter conhecido a grandes músicos e melhores pessoas: Luis Areán, Quim Farinha, Manuel Docampo, Manuel Amigo...; da noite para a manhã vi-me envolvido com os jovens músicos de Lalim e ali começou uma relação de admiração que me levaria a me transformar de naturalmente em amigo, gerente, assistente, confidente e apoio dum projeto musical que nasceu na terra da minha mãe e de onde eu são oriundo: Lalim; terra de músic@s, de arte e de artistas... uma terra que alguns anos mais tarde veria nascer o Conservatório Folque, com quase @s mesm@s jogadores...

A Casa das Crechas foi colo, é, e ali muitas propostas musicais, ao redor da música seja qual for o gênero, que cada vez importa menos. Tu que estiveste atrás do balcão, que aprendiches sobre o relacionamento tendo como palco substancial Crechas? Andamos de aniversário em breve, como levas esta casa da música tando entre Paris, Compostela e mais outras partes do mundo?

Gosto da expressão colo e ali podo acrescentar também escola; casa das Crechas foi e continua a ser um lugar necessário, mas naquele então diria que foi determinante em muitos sentidos; semelhava que as estrelas estavam alinhadas para que isso tivera passado e passou: três jovens com um enorme compromisso político e social, com uma já vasta trajetória no ativismo estudantil e cultural e com um pé na música tradicional e folque. Júlio fazia parte de Bruma, Chico pintava e partilhava o amor pola música própria e pela música que chegava do norte e do sul da Galiza e eu ouvia música sem parar e tocava flautas e apitos nas ruas, tabernas e festivais do país; Crechas foi um catalisador, um púlpito, um espaço para a música ao vivo e para uma cátedra em músicas dos mundos que começava a descobrir à medida que nos fazíamos com discos e gravações para difundir; o relacionamento neste contexto de paixão, de militância, de criação foi extraordinário, intenso, fecundo e constante. Hoje Casa das Crechas continua a ser uma janela aberta para o mundo, um lugar com uma programação de luxo... mas muitas cousas tenhem mudado; não só em Crechas mas no ambiente, no país, no mundo e nas nossas vidas; no meu caso viajar, relacionar-me no mundo, partilhar com pessoas de outros continentes, com outras circunstâncias; singelamente um luxo, uma obrigação ética e uma oportunidade profissional. Paris é a família mas também é metrópole na que aprender, em que se inspirar e em que, por que não, tentar desenvolver o que aqui ainda não é possível...

552139_396151673825712_999837618_n

Eu era universitária quando vivim o Festival Cidade Velha e tava aproximando-me a Chouteira, a aulas de pandeireta na As. Brincadeira e a deitar por fora algumas composições sem vergonha com amigos-as. O Festival Cidade Velha marcou-te nova direção de rumo profissional, em que medida viraches lá, ou nom.

Cidade Velha, tal como Dhais, como a Casa das Crechas fazia parte da magia, da paixão e do compromisso. O Festival foi capaz de fecundar por ter-se formulado num ambiente de pessoas extraordinário: a recém-criada As. Cultural Cidade Velha. Pessoas com as quais aprendim, com as que desfrutei trabalhando e partilhando e que se envolveram num projeto que, apesar de surgir quase do nada, aguçado instantaneamente desde a primeira edição permite um desenvolvimento livre até a VIII edição; é aqui que conheço ao genial Paco de Pin e é aqui quando decidim iniciar uma via profissional com Nordesía (que fai agora XX anos de vida); sem dúvida Cidade Velha foi um gatilho, uma escola e um teste para mim... mas tudo foi para evidenciar que o que eu tinha na cabeça passava também pola cabeça de milheiros de pessoas: na música havia muitos mundos que descobrir.

Quando chegamos Chouteira a Nordesía, só tava Berrogueto. Uma oficina de manager e contratação para a música com ar fresco. Nunca tal. A história da indústria "musical" por chamar-lhe, é muito recente, toda a gente ativista que como você promoveram, assessoraram, desenharam, criaram, dirigiram felizmente ainda estamos vivos-as e com saúde mais ou menos, seja qual for o palco do reconhecimento, os abraços e as disputas. Contínuo... Reconheço-me cúmplice da gente como tu que muda contextos, creia novas opções para a comunidade para eles mesmos. Vitor como lembrança positiva, que contarias destes primeiros anos de Nordesía no andar de cima das Crechas, que imagino duros e muito fortalecedores.

Acho que já você o descreve muito bem... foi uma aventura excitante... havia que inventar tudo ou quase tudo; mas quando há paixão e você está com pessoas certas tudo flui, não há obstáculos que não podam ser superados; como já disse tivem a sorte de partilhar esta viagem com Paco de Pin; foi ele quem me propôs a ideia após a decepção e fim prematuro do Festival Cidade Velha (como consequência de uma discussão cainita tão típica neste nosso pequeno e velho país...); e foram muit@s @s artistas que estavam aguardando a que isso acontecesse, a que alguém chegasse e que se pudesse ocupar dos assuntos comerciais, legais, artísticos, técnicos... e sobre tudo que acreditasse e se apaixonasse... e Nordesía nasceu para isso.

Extenso é o seu currículo como produtor, promotor. Tribus Ibéricas, Som delas, Sons da Diversidade, Ao pé da letra, A festa dos Mundos, o Festival dos Abraços, Cantos na Maré... Ajuda e assessoria, unir ideias, formular propostas, unir pessoas da Cidade da Cultura, o INAEM, passeando pelo MACC, sachando no Atlantic Conexion, em tantas feiras internacionais de música orgulhoso do teu país, e agora a dar-te de todo na chegada novamente do Womex 16 que já introduziches no 14. Então... Onde sacas a energia, que faro te alumea para tudo, isso é realmente o que desejavas ser de pequeno?

Hahahaha... pois de pequeno não tinha nada claro... experimentei como futebolista... joguei de goleiro do Compostela até juvenis e até mesmo estivem pré-selecionado para a seleção portuguesa... com quinze anos tocou-me ser representante do alunado no Conselho de direção, partilhando responsabilidades e decisões com ilustres personalidades como Luis Álvarez "Foz", Quintana Martelo, Ricardo Gurriarán, Calvinho... tratava-se do I Gelmírez e ali começou um processo acelerado de maturidade que me levaria posteriormente a efetuar parte da A.C. Ferradura e pouco depois a militar no BNG, em Galiza Ceive, na APU... com 18 anos comecei a trabalhar como ator de dobragem em Imagem Galega primeiro desde Euskadi e depois em Compostela; com Julio Lopez e José Luis Freire "Chico" pensamos a Casa das Crechas em 1986 e desde aí... até hoje fôrom passando entre outros, Nordesía, o Dezesseis, e.burbulla... A energia pola que me perguntas é ver que só a partir da construção e colocação em funcionamento de projetos e de iniciativas é possível somar, gerar valor e aproximar-se da transformação anelada, um processo não livre de contradições que se alimenta de feitos e de modestas conquistas que me tenhem servido para avançar na ideia de viver e se comprometer com aquilo em que acredita um.

552139_396151673825712_999837618_n

Às vezes tocou-lhe ser pai de seus Filhos Projetos, vê-los ir-se, vê-los crescer, não vê-los, até mesmo ver como se mata o pai. No projetos impulsionados qual é o que sempre se dá mais, ou te leva a ser mais feliz mesmo desde a lembrança?

Os projetos e experiências som elos de uma cadeia, os importantes são sempre os germinais, os fundadores... o que mais feliz me fai é que neste processo conheci muita gente, alguma que hoje considero que faz parte da minha família; uma fraternidade que transcende as fronteiras, as idades, as ideologias ou ocupações; pessoas polas que vale a pena levantar-se todos os dias... Pessoas que mesmo na distância, no silêncio ou na ausência como a querida e admirada Begonha Caamanho conseguem iluminar os momentos de escuridão... mas se você me fala de filh@s, a minha filha Alba é a energia, a minha alegria de vida e a Casa das Crechas e uma filha adulta que foi também a minha escola de vida.

Você foi, és o protagonista duma geração da história da música deste país duma maneira consciente, presente em várias perspectivas. Desde que tu começaste o teu interesse pola música galega, qual é a mudança mais sustancial que viveches e que mais te impactou?

Sem dúvida o que hoje estou a viver, vendo como a nossa música é uma realidade imparável que milheiros de jovens crescem e se apaixonam: no canto, no movimento e no gozo dos corpos, nos instrumentos, na composição e na interpretação, na relação com outras culturas... acho que Galiza está a experimentar o melhor momento de sua história... e isso comove-me e de alguma maneira proporciona-me conforto, liberação e facilita-me também uma certa distância, não só física mas também emocional... precisava andar o mundo ou como naquela canção de Marful... fazer-me astronauta...

Até hoje com que situações te sentes pleno a modo profissional, como gestor cultural, gerente ou produtor. Quero dizer, que che tira e che dá andar os caminhos do ofício? E partindo de que artistas somos felizmente todos-as, qual é a tua maior capacidade artística desenvolvida ou ainda não feita?

Aprendim dum bom amigo, Braulio Vilarinho, que há profissões maravilhosas que não se estudam... Nem são profissões mas atitudes e qualidades... ele é (assim gosta de referir-se a si próprio) um enlaçador de mundos... Eu conformo-me com ser um produtor de ideias... É dizer ter e efetuar; realmente não me considero profissionalmente especialista ou especialista em nada, apesar de ter o título e ainda ter experiência suficiente para reivindicar-me em vários campos... Mas de que serve? Quando tentei mudar a uma vaga de direção de um festival (que eu desenhara) não pudem nem optar porque fazia falta ter carta de conduzir... hahahaha. Sem dúvida o que mais anelo e desejo é desenvolver uma programação artística que se conecte com os valores em que acredito. Um festival, um espaço... o que for; a oportunidade de verter conhecimento, ideias, experiências... e, sobretudo, a oportunidade de ajudar a visibilizar o talento criativo que há no mundo... mostrar que o talento e a criatividade tem um enorme potencial transformador e gostaria fazê-lo em Compostela e tentar assim mudar essa história que nos afoga; e sei como fazê-lo e tenho-o de efetuar e você está convidado a efetuar parte junto com outr@s imprescindíveis que como nós há muitos anos que contamos as areias do chão e as estrelas do céu...

552139_396151673825712_999837618_n

Pergunta sem guarda-chuva: que Galiza levas lá adiante nas tuas conversas internacionais? A aldeia, o alimento, o depende, a festa, a improvisação…

O alimento e a aldeia sempre... mas acima de tudo a Galiza do futuro, uma Galiza que se assenta num passado mágico, num presente de talento e mediocridade e num futuro que construímos todos os dias para não cortar-nos as veias; o mundo conhece algo de quem somos, onde estamos... mas a gente que habita o mundo conhece tudo sobre as pessoas; porque somos iguais e sentimos igual apesar de nos expressar diferente: as ilusões, as frustrações, a esperança, a desesperação, o amor, a dor, as alegrias... somos o que levamos dentro e quando vou por aí adiante Galiza são eu... (e nossas circunstâncias)

Se tiver que escrever um continho para uma menina do ano 3000, o que lhe diria do que a vida-morte deu nesta tua geração à cultura deste canto da Europa? Isto tem a ver com o que dizia Cunqueiro, que se uma menina cantava popularmente no 3000 um poema feito por ele já tinha o céu ganhado. ;-)

Bem certamente assim será... mas primeiro temos de ajudar a que em 3.000 tenhamos meninas (muito especialmente meninas), que tenhamos canto, que tenhamos terra onde pisar, mar onde mergulhar e céu que voar... direi, portanto, a essa menina que nós fizemos parte dum tempo e de uma geração que vivendo num velho país fomos capazes de pisar a terra, mergulhar no mar e voar no céu para viver, para cantar, para sonhar e para efetuar um mundo melhor na língua de Cunqueiro, de Rosalía, de Manuel Antonio e de Begonha Caamanho

Ajuda ortográfia entrevista Raquel Miragaia. 


Ugia Pedreira - Cobrantas

Com oito álbuns lançados, a cantora de Marful e ex-diretora do Centro Galego de Música Popular, aCentral Folque, cria este espaço para as cobrantas musicais feitas á mao, é dizer, pessoas e projectos musicais que ao meu entender sejam de alto risco, medulares, lumínicos, vertebrais, que prestem atenção á canteira e a deixar sementes prantadas arredor da música galega feita em qualquer parte do mundo. Em Cobrantas intentara-se chegar ao para qué e porque dos discos, livros, tendas, pub, músico, editoral ou ideia a desenvolver na atualidade.

Máis artigos de Ugia Pedreira aquí.

 

Comparte esta noticia
¿Gústache esta noticia?
Colabora para que sexan moitas máis activando GCplus
Que é GC plus? Achegas    icona Paypal icona VISA
¿Gústache esta noticia?
Colabora para que sexan moitas máis activando GCplus
Que é GC plus? Achegas    icona Paypal icona VISA
Ugia Pedreira Com oito álbuns lançados, a cantora de Marful e diretora do Centro Galego de Música Popular, aCentral Folque, cria este espaço “para as cobrantas musicais feitas á mao, é dizer, pessoas e projectos musicais que ao meu entender sejam de alto risco, medulares, lumínicos, vertebrais, que prestem atenção á canteira e a deixar sementes prantadas arredor da música galega feita em qualquer parte do mundo. Em Cobrantas intentara-se chegar ao para qué e porque dos discos, livros, tendas, pub, músico, editoral ou ideia a desenvolver na atualidade”. A Central Folque