Por Ramón Varela | Ferrol | 29/05/2018
Um dos principais escolhos para que triunfe, com o apoio dos nacionalistas, vem determinado pola conceção patrimonialista do Estado que têm os defensores do 155, e o seu patrão o Borbon. Esta conceção patrimonialista do Estado entende que a ordenação territorial do Estado é patrimônio dos unionistas do 155 e, em menor medida, de Unidos Podemos, e qualquer projeto que ponha em questão o statu quo vai ser fortemente demonizado com grossos qualificativos. É uma conceção que entende a unidade dum modo uniformizador e piramidal, uma unidade que chamaremos borbônica, porque foram os Borbons quem a impuseram na França, o país mais jacobinista e uniformizador do mundo, que afogou toda diferença entre os diversos povos que convivem no seu território em aras da Grandeur de La France.
Frente a esta unidade uniformizadora e empobrecedora temos a unidade integradora, que não supressora, e acolhedora das diferenças num todo no que as partes contem e contribuam a determinar a vontade do todo, do qual seria o principal representante a Confederação Helvética, país que conta com 26 cantões declarados soberanos pola Constituição Helvética, algo totalmente impensável para as mentes unionistas da Península Ibérica, que consideram que a soberania é patrimônio dum Estado central com uma única soberania.
Esta alternativa triunfaria se votam afirmativamente o PSOE (84 escanos), Unidos Podemos (71 escanos), ERC (9 escanos), PDeCAT (8 escanos) e PNV (5 escanos). Tem o inconveniente de obrigaria o PSOE a chegar a pactos com os independentistas bascos e catalães, e, portanto uma valentia, capacidade e vontade políticas impensável no PSOE de hoje e no seu máximo dirigente Pedro Sánchez, das que não deram prova em todo o período pseudo-democrático borbônico, e não digamos já em C’s, partido que tem como lema principal: aos nacionalistas periféricos nem pão nem auga. Os partidos catalães exigem-lhe que dê marcha atrás no 155, que deixe de insultar ao presidente Torra, que contribua a solucionar o problema dos presos políticos, e que abra uma via de diálogo, e o PNV exige-lhe que se cambie a um modelo territorial aceite para Catalunha e o País Basco. Estas exigências são inassumíveis totalmente para um PSOE visceralmente jacobinista e uniformizador. Temos que ter presente que o PSOE contribuiu decididamente com o PP e C’s a criar uma sensibilidade espanholista totalmente hostil aos nacionalistas, que teve a sua concreção no berro: “A por eles!”, que é a expressão pura da xenofobia espanholista. Temos que ter presente também que Pedro Sánchez manifestou ao dar conta da moção de censura que se propõe constituir um governo do PSOE que defendesse a unidade de Espanha e a sua soberania, ou seja, a soberania única e que não estava disposto a fazer concessões aos nacionalistas. Porém, se coalhasse, podia ser a base duma nova reordenação do poder no Estado espanhol de acordo a princípios federais e confederais.
A alternativa que se avista neste momento com mais probabilidades para que triunfe a moção é que se crê uma frente unionista formada por um híbrido direita-esquerda, composto polo PSOE: 84 deputados; Unidos Podemos: 71 deputados e C’s: 32 deputados. Total 187 deputados. Em caso de convocar eleições imediatamente, tal como pede o líder de C’s, esta alternativa favoreceria extraordinariamente a C’s, que está subindo nos inquéritos à custa do PP, podendo chegar a ultrapassá-lo; prejudicaria ao PSOE que neste momento está num período de declive, se bem lhe permitiria distanciar-se de Podemos que atravessa por um período duma certa crise de identidade e de disputa interna, e destruiria qualquer possibilidade de formar uma alternativa sólida de futuro da esquerda frente ao tandem PP-C’s. As únicas reticências podem vir da mão de Podemos que, ainda que desse a sua aprovação, fez-lo para governar e não só para convocar eleições e deve pensá-lo duas vezes antes de entrar num pacto feito precisamente para prejudicá-lo, além de que lhe produziria tensões com os seus sócios periféricos. Tem que ter em conta, contudo, que, se não aceita, vão-lhe botar as culpas de não querer botar fora ao PP. Se Pedro Sánchez apresentasse uma moção para governar durante um período significativo de tempo e realizasse um trabalho sério e rigoroso, esta opção beneficiaria a esquerda, especialmente ao PSOE e prejudicaria à direita, especialmente a Rivera.
Em todo caso, por-se-á de manifesto que não se pode governar o Estado espanhol prescindindo duma parte muito significativa da sua população que vota num nacionalismo distinto ao dos unionistas. A estabilidade e a prosperidade coletiva dependem de que se entenda esta premissa básica, porque esta situação não é privativa da moção de censura senão também das próximas citas eleitorais.