Por Ramón Varela | Ferrol | 23/04/2020
Ser pobre está mal, mas se lhe dizem a um que é pobre de espírito já colhe uma depressão da que pode necessitar tratamento intensivo. Esta é a razão pola que algumas versões da Bíblia em vez de pobres traduz humildes, apesar de que a palavra grega não autoriza esta licença. Disto não cabe dúvida de que Jesus estava da parte dos pobres, se bem, tarde me lo fiais, a gratificação é em diferido e têm que esperar ao reino dos céus. Estas manifestações complementam-se com outras nas que Jesus disse: “Em verdade vos digo que um rico dificilmente entrará no reino dos céus. E outra vez vos digo que é mais fácil um camelo passar polo fundo duma agulha, do que entrar um rico no reino de Deus” (Mt. 19, 23-24). A decisão salomônica de Jesus é permitir que os ricos triunfem neste mundo e sofram no de ultra-tomba, e os pobres que se enfastiem agora e que gozem mais tarde.
Quando a igreja começa a expandir-se e entram nela pessoas de todas as condições, buscou um acomodo para permitir que os ricos desfrutem tanto neste mundo como no próximo, que consistiu em mudar a pobreza real, presente no texto de Lucas, pola pobreza fictícia ou pobreza de espírito. Agora a pobreza vai entender-se como desprendimento psíquico dos bens, que é uma saída ambígua e ademais incontrastável, e que lhe permite à igreja meter no céu a quem lhe interesse, defendendo ao mesmo tempo a mística da pobreza, que não compromete a nada na prática. Agora os ricos ficam liberados do fundo das agulhas e já podem entrar no céu em tropel e por auto-estrada, sempre, naturalmente, que paguem a portagem fixada para estes casos, e contribuam com doações ao banco de alimentos ou com alguma esmolinha para os mendigos de turno.
Vem isto a propósito das declarações de Luís Arguello, secretario de CEE (Conferência Episcopal Espanhola) nas que manifestou que está a favor do ingresso mínimo vital para as famílias necessitadas, pola crise do coronavirus, mas não de forma permanente porque poderia retirar do horizonte das pessoas pensar em realizar um trabalho e provocar que amplos grupos de cidadãos acabem vivendo de maneira subsidiada. Ou seja, que o porta-voz da CEE não quer que outros desfrutem a partir de agora de maneira permanente dos mesmos privilégios que eles vinheram desfrutando desde o século IV, em que a Igreja se converteu numa associação parasitária do Estado, que a dotou de favores a eito e de dumping fiscal e social, que se impõe coativamente a toda a sociedade, incluso aos que dissentem do seu ideário e de que o produto que vendem está cada passo mais desvaliado. Hoje somente setores muito minoritários consideram que uma crise como a do coronavirus se soluciona com jaculatórias rituais, responsos, golpes de peito ou rogando a Deus compulsivamente para que nos libere desta praga. Quando em 541 teve lugar a peste bubônica, em 1300 a peste negar ou em 1918 a pandêmica de gripe, a gente agrupava-se nas igrejas para rezar, mas o único que conseguiram foi incrementar os contágios. Milhões de pessoas deixaram a vida no intento.
Ao ritmo que vamos, com a robotização crescente da economia vão eliminar-se milhões de postos de trabalho, deixando no paro a uma imensa quantidade de pessoas, mas as empresas somente podem subsistir se a gente compra os produtos, o qual pode aconselhar que a gente trabalhe muitas menos horas e incluso que muita gente tenha que viver subvencionada e atuar somente como consumidor, e, portanto, como um agente subsidiado, que tampouco seria novo, pois Roma já entregava gratuitamente aos seus cidadãos “panem et circenses”, pão e circo. Parece que esta solução não lhe agrada aos clérigos, porque não querem que outros tampouco realizem um trabalho produtivo e se convertam em membros passivos da sociedade. Que solução arbitram os clérigos se esta previsão se cumpr