Alguns reduzem o seu sentido a Ubi panis ibi patria, onde está o alimento, ai está a patria, e, evidentemente podemos dizer que satisfazer qualquer dos motivos primários: comida, bebida, sexo, sexo, ... é muito importante para todos os animais, incluído o ser humano, embora não tenha para todos o mesmo peso. Não é igual a motivação que presidia o comportamento de Sancho Panza, em procura da ilha Baratária, que a do Quijote. Este é, sem dúvida, o motivo que impulsa o comportamento do emigrante que intenta escapar da penúria econômica. Com todo, é difícil aceitar que o alimento, ao igual que os demais motivos primários, se identifiquem sem mais com a vida boa. A emigração provoca a separação das famílias e a ruptura tanto dos vínculos familiares como sociais com respeito ao seu lugar de procedência e sem lograr enraizar no seu lugar de destino. Um emigrante vive nos países acolhida num ambiente isolado ou todo o mais numa espécie de gueto marginal. Os que, por azar da vida, estudamos fora fomos testemunhas da descarga emocional que se desencadeava nos emigrantes ao chegar á fronteira espanhola, que delatava a situação de morrinha na que vivem no seu desterro da pátria.
O sistema capitalista situa-se onde vê mais oportunidades de benefício, de incremento do capital, independentemente de qualquer consideração de caráter afetivo e de todo vínculo social preexistente. O mundo que pregoa é a do homo oeconomicus desenraizado sem mais interesse que o de pôr-se a disposição do capital, e de ai que, em vez de localizar a riqueza onde estão os trabalhadores, desloca os trabalhadores aos lugares onde se poda produzir um incremento maior dos benefícios empresariais. É um sistema que racha com todas as formas de integração social e reduz o indivíduo a um átomo isolado ante o deus capital. Como diz Karl Marx no Manifesto do Partido Comunista, “A burguesia despojou da sua aureola a todas as profissões até então reputadas de veneráveis e veneradas. Do médico, do jurisconsulto, do sacerdote, do poeta, do sábio, fez trabalhadores assalariados. A burguesia desgarrou o véu de sentimentalidade que encobria as relações familiares e reduziu-as a simples relações de dinheiro. ... A burguesia não existe mais que a condição de revolucionar incessantemente os instrumentos de trabalho, quer dizer, todas as relações sociais.” (Ediciones elaleph.com, 200, pp. 29-30). Creio que o problema não reside em se as pessoas são assalariados ou Autônomos, porque este conceito é mui pouco analítico, pois engloba situações totalmente dispares. Que tem que ver Pablo Isla com um obreiro manual? Pois, segundo a análise marxista, os dous seriam proletários e submetidos a exploração. Que tem que ver um professor universitário com um alvanel, seja autônomo ou assalariado? Do que se trata é dos direitos que amparam a um trabalhador e das capacidades extrativas que tem. É certo que o capitalismo destrui os vínculos familiares e sociais, mas também a proposta marxista do proletariado internacional contribuiu á homogeneização entre as distintas nações e, de passo, possibilitou a consolidação pola oligarquia dum sistema extrativo planetário, e facilitou a submissão dos povos diferenciados perante as oligarquias estatais.
O resultado de dinâmica capitalista é um home cosmopolita, sem laços sociais, sem lugar de residência estável, sem ligação com nenhum particularismo familiar, local ou nacional. Do que se trata é de construir um home desenraizado e á margem de qualquer interesse que não seja o da produção e o consumo, ad majorem gloriam pecuniae. Declara-lhe a guerra ao mais sagrado, sempre que não favoreça o seu poder extrativo sobre a população e a exploração dos recursos planetários. Este mundo criado polo capital, que destrói os vínculos familiares e sociais e as relações de pertença que integram e lhe dão sentido ás vidas dos indivíduos, que aniquila os direitos dos trabalhadores, condenados muitas vezes a jornadas ilegais e abusivas de trabalho a câmbio de salários muitas vezes insuficientes, ao tempo que deixa no paro a milhões de pessoas, sem alternativa nenhuma de futuro, que não é capaz de instaurar uma exploração razoável e sustentável dos recursos escassos e incrementa a polução planetária, deve dar passo a um mundo novo, um mundo ao serviço das pessoas presentes e futuras, um mundo que respeite as diferenças e os laços que lhe dão sentido á vida dos indivíduos. O sistema oligárquico necessita expandir-se para sobreviver, necessita da globalização para continuar a incrementar os seus benefícios, e isto implica que necessita destruir toda vinculação social oposta á sua dinâmica absorvente e vampiresca dos recursos humanos e das matérias primas, numa espiral sem fim. “Impulsada pola necessidadw de mercados sempre novos, a burguesia invade o mundo inteiro. Necessita penetrar por todas partes, estabelecer-se em todos os sítios, criar por onde quer meios de comunicação. Pola exploração do mercado universal, a burguesia dá um caráter cosmopolita á produção de todos os países. Com grande sentimento dos reacionários, quitou á indústria o seu caráter nacional. As antigas indústrias nacionais são destruídas ou estão a ponto de sê-lo. Foram suplantadas por novas indústrias, cuja introdução entranha uma questão vital para todas as nações civilizadas: indústrias que não empregam matérias primas indígenas, senão matérias primas vindas das regiões mais afastadas, e cujos produtos se consomem, não só no próprio país senão em todas as partes do globo” (Ibid. pp. 30-31). Os meios de comunicação são um instrumento precioso em mãos da oligarquia, porque lhe permite bem-dizer o seu sistema de exploração, difundir a «sua verdade» e lograr, desta maneira, o assentimento dos cidadãos ás políticas que põem em prática. O resultado é um des-empoderamento da cidadania e dos produtores e pequenos empresários locais, condenados a trabalhar para e como satélites da grande expressa transnacional. O caráter de reacionário aplicado aos que defendem a indústria local é improcedente, pois a indústria local cria riqueza para a comunidade onde se insere sob a forma de postos de trabalho, valor acrescentado, tributos, aproveitamento dos recursos locais, ... e permite aforrar energia e dispêndios em transporte, muito importante numa economia sustentável.
Castelao combateu o provérbio «ubi bene, ibi patria», reduzido á mero bem-estar econômico, por considerar que isso destrói as pátrias. “Eu topo-me bem onde poda viver com desafogo, (porque levam a pátria na sola dos sapatos)” (Sempre em Galiza, p. 12). Combateu denodadamente o cosmopolitismo e optava polo universalismo, pola coordenação do particularismo com o universalismo; defendia o internacionalismo mas não um internacionalismo abstrato senão um internacionalismo que conte com as sociedades presentes, onde os homes adquirem a sua identidade grupal e que lhe darão o seu selo próprio ao desejado futuro Estado mundial. “Diga-se o que se queira, a sociedade futura terá de criar-se pola conjunção das sociedades presentes, de modo que o Estado mundial leve o cunho das pátrias que o integram” (Ibi. P. 433).
Outros autores reduziram o provérbio «ubi bene, ibi patria», a «ubi libertas, ibi patria», onde há liberdade ali está a pátria, mas o bem é muito mais que a liberdade. A liberdade integra, mas não em exclusiva o ser humano, que, além do poder de decisão, tem sentimentos, paixões, emoções, necessidade de carinho de proteção, de filiação, ... e, por tanto, todo isto forma parte também do bem humano.
Outros restringem o bem do provérbio «ubi bene, ibi patria», ao amor, «ubi amor, ibi patria», que é também um fator muito importante em todos os animais, e que contribui ao equilíbrio pessoal, a dotar de confiança em si mesmos aos amantes, permite satisfazer as pulsões sexuais entre parelhas e perpetuar-se na prole. Segundo Freud, Eros é, junto com thanatos, ou instinto agressivo, a pulsão básica do ser humano que determina a sua conduta, uma pulsão que necessita satisfazer-se dum modo imperioso, mas tão-pouco o amor o é todo.
O bem inclui a satisfação dos motivos primários: comida, bebida, sexo, sono; mas também das necessidades de comunicação, liberdade, proteção, amor, auto-identificação, relações de pertença, criatividade; em definitiva, a auto-realização das potencialidades contidas no ser humano.