A misoginia no Novo Testamento

As mulheres estão de parabéns porque lograram demonstrar que estão fartas do trato dês-igualitário recebido polas diversas instituições e administrações e nisto concordam moças e velhas, ricas e pobres, cultas e incultas. Este êxito mobilizador motivou que recebessem o apoio verbal de diversos líderes tanto religiosos como políticos, mas devem saber que tales pronunciamentos são as mais das vezes mera pose e retórica e que as palavras leva-as o vento. As mulheres sabem bem que não precisam adesões, mas medidas concretas, tanto no eido político como religioso, que mudem a sua situação, tanto pessoal como sócio-laboral. .

Por Ramón Varela | Ferrol | 13/03/2018

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É positivo que receberam também o apoio tanto do Papa como da Conferência Episcopal Espanhola na sua aspiração pola igualdade, só uns dias depois de que saltasse à mídia que vários cardeais e bispos mantêm as monjas numa situação de escravidão. O papa Francisco tem o mérito de escutar as suas queixas, mas isto não basta e o que cumpre é promulgar medidas concretas para mudar a sua situação também no âmbito eclesial. Tenhamos presente que a Igreja é uma instituição profundamente misógina que se inspira em textos «sagrados» que induzem os seus membros a crer que atuam bem quando desprezam, maltratam e marginam a mulher, que, ainda nos nossos dias não podem aceder a nenhum cargo institucional relevante na Igreja, e que vêm o seu rol reduzido a lavar as vestimentas eclesiais e adornar.os templos para que oficiem os «machos». Imos ver hoje os textos do Novo Testamento.

Os essênios, seita à que provavelmente pertenceu Jesus, eram misóginos e não aceitavam mulheres na sua congregação e desprezavam o matrimônio . Como di Flávio Josefo, “Não é que eles condenem em principio o matrimônio e a procriação, mas temem da desvergonha das mulheres e estão persuadidos que nenhuma delas guarda a fidelidade a um só home1. As razões que aduzem para esse desprezo são, além da percepção negativa que têm da mulher, a dificuldade de manter os vínculos comunitários entre pessoas casadas e a sua misossexualidade. Manifesta Filão de Alexandria que “Rejeitam o matrimônio porque com toda clareza vem nele o único ou principal obstáculo para manter os vínculos da vida em comunidade, e à vez porque praticam com particular zelo a continência. Nenhum deles, com efeito, toma esposa, entendendo que a mulher é uma criatura egoísta, zelosa por demais e capaz de tender as suas redes aos costumes do home e seduzi-lo com as suas incessantes fascinações2. Com todo, algumas correntes essénias não condenavam o matrimônio  nem o rejeitavam, porque “Pensam que renunciar ao matrimônio é realmente suprimir a parte da vida mais importante, a saber, a propagação da espécie; cousa tanto mais grave que o gênero humano desapareceria em pouco tempo se todos adotassem esta opinião. Tomam às suas mulheres como ensaio, e depois que três épocas sucessivas mostraram a sua aptidão para conceber, desposam-nas definitivamente. Depois de estar embaraçadas, não tem relações sexuais com elas, mostrando assim que se casam não por prazer senão para procriar meninos3.

O pensamento e a prática de Jesus vem coincidir com esta corrente essênia, que não condena o matrimônio, por considerá-lo necessário para a procriação da espécie, mas ao mesmo tempo dá-lhe prioridade à vida de continência e de renúncia ao prazer sexual, como se manifesta em Mt. 19, 12: “Há eunucos que a si mesmos se fizeram tais polo reino dos céus”. Houve, com todo, alguns grupos gnósticos que, amparando-se no Evangelho dos Egípcios, da primeira metade do século II, diziam que Jesus rejeitou não só o matrimônio senão também a procriação, pois quando Salomé lhe perguntou ao Senhor: “«Durante canto tempo predominará a morte?» ele respondeu: «tanto como vós as mulheres gereis meninos»”4. Este é um evangelho apócrifo, mas a distinção a respeito dos canônicos sempre é muito ténue, em grande parte arbitrária e controvertida. Clemente de Alexandria que nos transmite este fragmento não duvida que é um texto autêntico, e somente se opõe à interpretação que lhe dão alguns grupos que entendem que Jesus está a condenar o matrimônio e a criança de meninos. Clemente entende que Jesus só expressa com esta resposta uma lei da natureza que é a de vida- morte.

Esses grupos gnósticos aduzem outro texto deste mesmo evangelho que diz que o Salvador pronunciou este oráculo: “«Eu vim para destruir as obras da mulher». A mulher, quer dizer, o prazer; as obras, quer dizer, o nascimento e a morte”5. Ele não veu, segundo Clemente, destruir esta ordem, as leis naturais, senão as obras da concupiscência, avareza, amor ao dinheiro, pederastia,... Por mulher entenderia a intemperança. “Porque quando ela disse, «Eu fiz melhor não ter dado luz um menino», dando a entender que ela não teria direito a dar a luz um filho, o Senhor replicou-lhe dizendo: «Come de qualquer planta, mas não comas daquela que é amarga»6. Clemente interpreta esta resposta no sentido de que o Senhor lhe disse que podia tanto casar como não, e que o matrimônio continua a obra da criação. Claro que também se pode entender no sentido de que faça o que queira, mas que evite o que é amargo, como as preocupações ligadas á geração e criança dos filhos.  

O apóstolo Paulo, manifesta que “Enquanto aos casados, ordeno-lhes, não eu senão o Senhor que a mulher não se separe do marido, mas em caso de separar-se que não volva casar, ou que se reconcilie com o marido, e que o marido não despida a sua mulher7. Neste caso a mulher se se separa do marido, tem duas alternativas: não casar ou reconciliar-se; para o home decreta que não repudie a sua mulher, mas, caso de fazê-lo, não se lhe proíbe que volva casar. Paulo define a mulher pola sua total referência ao varão e a esta pola sua referência a Deus e a Cristo. Na sua argumentação incorre em falácias para justificar a tradição vigente em Israel segundo a qual as mulheres deviam rezar cobertas com véu, e que ele atribui à dependência e inferioridade da mulher com respeito ao varão. A mulher deve velar-se porque, em caso contrário, desonraria o seu marido, mas sem acarretar nenhuma justificação de por que é assim, convertendo este preceito em algo totalmente imotivado e em expressão irracional do domínio do varão sobre a mulher. Como pode constatar-se polo texto que imos ver, o razoamento de Paulo ressente-se no seu rigor argumental, baseado em simbologias inconsistentes. “Pois bem, quero que saibais que a cabeça de todo varão é Cristo, e a cabeça da mulher, o varão, e a cabeça de Cristo, Deus. Todo varão que reza ou profetiza com a cabeça velada, desonra a sua cabeça, e toda mulher que ora ou profetiza com a cabeça descoberta, desonra a sua cabeça; e é como se se rapara. Se uma mulher não se cobre, que se rape, e se é indecoroso para uma mulher cortar-se o pelo ou rapar-se, que se vele. O varão não deve cobrir a cabeça, porque é imagem e glória de Deus; mas a mulher é glória do varão, pois não procede o varão da mulher senão a mulher do varão; nem foi criado o varão para a mulher senão a mulher para o varão. Deve, pois, levar a mulher o sinal da sujeição por respeito dos anjos. Mas nem a mulher sem o varão nem o varão sem a mulher no Senhor. Porque assim como a mulher procede do varão, assim também o varão vem existir pola mulher, e todo vem de Deus. Sede vós juízes: é decoroso que ore a mulher descoberta? E não vos ensina a mesma natureza que o varão se ultraja se deixa medrar a sua cabeleira, enquanto que a mulher honra-se deixando-a crescer? E que o cabelo foi-lhe dado por véu”8. Este texto, profusamente lido nas igrejas, é a expressão teológica da misoginia paulina. Começa expondo uma simbologia hierárquica de valor decrescente: Deus, Cristo, varão, mulher, que pretende desenvolver nos versículos seguintes. O varão tem por cabeça, ou seja, por chefe ou senhor a Cristo, que só passa a ser chefe da mulher mediatamente, ou seja, por mediação do varão, que é o seu chefe ou senhor. A seguir formula toda uma série de proposições formalistas e ritualistas totalmente gratuitas e injustificadas racionalmente. O varão que reza velado desonra a Cristo, mas por que? Com a mulher passa ao revés, se reza sem velar-se desonra ao varão, mas por que? A desonra não está na vestimenta exterior senão na atitude, e o que se faz com estes preceitos é sacralizar a superioridade dum sexo sobre o outro, marginando e desprezando a meia humanidade. O varão é imagem de Deus, o qual significa que só ele e não a mulher foi criado a imagem e semelhança do criador, normalmente imaginado como um respeitável varão nalgumas representações plásticas. O varão é um ser que está mais próximo, mais cercão a Deus, ao que pode dirigir-se diretamente, enquanto que a mulher só pode fazê-lo humilhando-se ante o varão, e pondo como sinal de humilhação o véu. Para Paulo a mulher procede do varão e foi criada como ajuda para o varão. A palavra procede pode referir-se ao mito da costela de Adão da que ela seria feita, segundo o mito da criação, ou à procedência biológica individual. Neste último caso, aludiria Paulo à errônea teoria da medicina antiga que considerava a conceição sob o símile semente-terra, a primeira acarretada polo varão, e a terra pola mulher. Neste caso, a mulher só cumpre o papel de criar o que semeia o varão. A conclusão de Paulo, é que a mulher deve velar-se em sinal de sujeição ao seu marido, e esta foi a prática eclesiástica ao longo da história, e as nossas mães e avós velavam-se todas, tal como ainda hoje fazem as islamistas, neste caso, também fora do âmbito eclesial. A resposta às conclusões que formula são uma negação categórica a que pretenda o apóstolo passar por algo natural o que não é mais que misoginia enfermiça. O cabelo não surgiu para fazer de véu nem para o home nem para a mulher, ainda que sim é certo que o varão tem muita mais calvície que a mulher como consequência da maior influência das hormonas masculinas, em concreto da testosterona.  Embora o home seja superior á mulher, os dous formam um complemento, já que a mulher foi criada a partir do varão, mas é também quem o engendra.

A mulher não pode falar na Igreja. "Como em todas as igrejas dos santos, as mulheres calem-se nas assembleias, porque não lhe toca a elas falar senão viver sujeitas como diz a Lei. Se querem aprender algo, que na casa perguntem aos seus maridos, porque não é decoroso para a mulher falar na igreja9. Paulo proíbe que as mulheres falem em todas as igrejas fundadas por ele, em base a que devem viver sujeitas e isso, segundo ele, impede-lhes falar. Só lhes queda como via alternativa, perguntar na casa aos maridos, ou seja, instruir-se por intermediário e não diretamente, como pessoas subordinadas que são. Manifesta que é indecoroso que falem, mas não alega razão nenhuma que o justifique.

Na Carta aos Efésios, repete Paulo estas ideias misóginas e prega a submissão unilateral e não recíproca das mulheres aos homes. “As casadas estejam sujeitas aos seus maridos como ao Senhor, porque o marido é cabeça da mulher e salvador do seu corpo. E como a Igreja está sujeita a Cristo, assim as mulheres aos seus maridos em todo10. O trato que o Apóstolo estipula para o home-mulher é a dum superior a respeito do inferior, no qual este deve amostrar submissão e obediência e o superior, paternalismo, benevolência11, e discrição como se dum objeto frágil se tratasse, como diz expressamente o Apóstolo Pedro12. Como deve entender-se que a home é salvador da mulher? Se é de caráter espiritual, qual seria exatamente? Deve entender-se no sentido de que, como a mulher está condenada a buscar ao marido, satisfaz as suas pulsões sexuais? Na primeira carta ao seu discípulo Timóteo amostra-se talhante: “A mulher aprenda em silêncio com plena submissão. Não consinto que a mulher ensine nem domine ao marido, senão que se mantenha em silêncio, pois primeiro foi formado Adão, depois Eva e não foi seduzido Adão, senão Eva, que, seduzida, incorreu na transgressão13.

Evangelho de Maria Magdalena, escrito no século II, de autor desconhecido, revela uma visão e um diálogo que teve com Jesus, testemunho questionado por Andrés e por Pedro, que interrogou os discípulos acerca do Salvador: “«Falou com unha mulher sem que o saibamos, e não manifestamente, de modo que devamos volver-nos e escutá-la? É que a preferiu a ela sobre nós?». Então Maria botou-se a chorar e disse a Pedro: «Pedro, meu irmão, que pensas? Supões acaso que eu reflexionei estas cousas por mim mesma ou que minto respeito ao Salvador?» Então Levi falou e disse a Pedro: «Pedro, sempre foste impulsivo. Agora vejo-te exercitando-te contra uma mulher como se fosse um adversário. Porém, se o Salvador a fez digna, quem és ti para rejeitá-la? Bem é certo que o Salvador a conhece e por isso a amou mais que a nós. Mais bem, pois, envergonhemo-nos e revistamo-nos do home perfeito, partamos tal como no-lo ordenou e preguemos o evangelho, sem estabelecer outro preceito nem outra lei fora do que disse o Salvador14. Neste Evangelho tanto Andrés como Pedro são apresentados com ares de superioridade sobre as mulheres, que seriam pouco fiáveis e de pouca credibilidade em comparação com os varões. Cumpre destacar também o grande amor que sentia Jesus por Maria Magdalena, que Levi supõe que era de todos conhecido, e que alguns entendem que teve também natureza sexual.  

O papa Bento XVI reafirmou as bases desta desigualdade quando afirmou: se Deus se encarnou num home e não numa mulher isso tem que ter uma razão, e esta só pode ser que o home é mais perfeito que a mulher.           



1.  FLAVIO XOSEFO, Guerras dos xudeus, Lib. II, cap. VIII, 119.

2.  FILÓN DE ALEXANDRÍA, Hipotéticas (Apoloxia em prol dos xudeus), 11.14.

3.  FLAVIO XOSEFO, Guerras dos xudeus, Lib. II, cap. VIII, 160.

4.    CLEMENTE DE ALEXANDRÍA, Stromata, Lib. III, cap. VI, 45.

5.    CLEMENTE DE ALEXANDRÍA, Stromata, Lib. III, cap. IX, 63.  

6.    CLEMENTE DE ALEXANDRÍA, Stromata, Lib. III, cap. IX, 66.

7.    I Cor. 7, 10-11

8.    I Cor. 11, 3-15

9.    I Cor. 14, 34-35

10.    Ef. 5, 22-24

11.    Col. 3,18-19

12.    I Ped. 3, 1-17

13.    I Tim. 2, 11-14

14.    Evanxelho de María Magdalena, 17-18.

 
 
 
 

 

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Ramón Varela Ramón Varela trabalhou 7 anos na empresa privada e, a seguir, sacou as oposições de agregado e catedrático de Filosofia de Bacharelato, que lhe permitiu trabalhar no ensino durante perto de 36 anos.